A realidade muitas vezes pode ser
mais bizarra e absurda do que qualquer roteiro de ficção. A minissérie
documental A Máfia dos Tigres é um
claro exemplo disso. O documentário acompanha um grupo de donos de “zoológicos”
que exibem primordialmente grandes felinos como tigres, leões e leopardos.
Coloco o termo entre aspas porque apesar dos personagens chamarem seus negócios
de zoológicos, eles são mais circos, nos quais os animais são explorados (e
maltratados em muitos casos) para o entretenimento alheio e não para serem
preservados ou estudados.
Entre os personagens principais
está Joe Exotic, um sujeito, como o próprio nome diz, exótico. Um caipira que
ostenta um mullet descolorido é
amante de tigres e de armas de fogo, assumidamente gay e polígamo, Joe já
tentou ser candidato a presidente dos EUA e também governador do estado de
Oklahoma. Joe tem uma violenta rixa com Carole Baskin, uma hippie velha que também é dona de um viveiro de grandes felinos,
diz ser defensora dos direitos desses animais, inclusive propondo leis que deem
ao governo mais supervisão e controle sobre quem pode lidar com esses animais,
mas, paradoxalmente, seu viveiro também é aberto a visitação e ela também
permite que o público interaja com os animais, não sendo muito diferente de
outros circos do gênero, exceto, talvez, por seu tratamento dos animais não ser
tão negligente.
A eles se soma o esquisito (e
também dono de zoológico) “Doc” Antle. Apesar de se apresentar como doutor,
Antle nunca deixa claro em que é doutor ou qual sua formação. Ele fala pausada
e controladamente como um professor que tenta explicar algo muito complexo, mas
na verdade ele tem uma postura delirante e paranoica, agindo com rispidez toda
vez que os documentaristas perguntam algo que não lhe agrada. Aparentemente ele
também lidera um estranho culto sexual no qual as funcionárias de seu parque se
tornam parte de seu harém particular.
O documentário deixa claro que as
pessoas que mais se interessam em ter tigres são as últimas pessoas que
deveriam possuir esses animais perigosos. Os personagens da série são
socialmente desajustados, desequilibrados, ególatras e sem escrúpulos,
prejudicando muitas pessoas na tentativa de se firmarem nesse mercado. A trama
também mostra como a falta de dispositivos legais permite que essas pessoas
operem com certa liberdade, já que, diferente do Brasil, o comércio de animais
silvestres não parece ser crime, com as pessoas só sendo presas em casos de
negligência ou crueldade. Essa permissividade jurídica permite que figuram como
Joe ou Antle se multipliquem com facilidade.
A trama é cheia de reviravoltas
bizarras, que provavelmente acharíamos pouco críveis se estivéssemos diante de
um produto ficcional. Um exemplo é o misterioso e conveniente desaparecimento
do marido de Carole, que curiosamente deixou uma procuração dando a ela poder
sobre todas as suas posses em caso de desaparecimento, algo bastante suspeito
já que esse tipo de procuração só costuma ser feita prevendo casos de morte ou
doença. Existem inúmeras outras reviravoltas que não mencionarei aqui para não
estragar a experiência de ninguém, mas a maioria dessas situações só contribui
para que percebamos o quão despirocadas e tóxicas essas pessoas são
principalmente quando ouvimos depoimentos de ex-funcionários e ex-companheiros
que tiveram suas vidas (e ocasionalmente algumas partes do corpo) destruídas.
São tantas coisas malucas
acontecendo que a série parece não dar conta de tudo, com o último episódio se
concentrando em mostrar as principais reviravoltas envolvendo um processo
federal contra Joe que o restante dos personagens fica esquecido e seus
destinos são relegados a breves cartelas de texto. Teria sido melhor um ou dois
episódios a mais para amarrar todas essas histórias do que tratá-las de modo
tão acelerado. Claro, sempre é possível retornar a tudo isso em uma segunda
temporada, mas considerando o que aconteceu com Making a Murderer e o quão arrastado foi seu segundo ano, talvez
seja melhor não continuar a menos que se tenha um material que realmente
sustente mais meia dúzia de episódios.
De todo modo, A Máfia dos Tigres é uma docussérie
surpreendente, repleta de reviravoltas inesperadas e personagens insólitos que,
ainda assim, chama a atenção para um problema real envolvendo o comércio e
exploração de animais selvagens.
Nota: 8/10
Trailer
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