Escrita por Mindy Kaling, a série
Eu Nunca... parece ser mais uma
narrativa cômica adolescente sobre perda de virgindade. Aos poucos, no entanto,
vai mostrando ser um pouco mais que isso ao lidar com os traumas da
protagonista e desenvolvendo os dramas de seus personagens.
A trama é centrada em Devi (Maitreyi
Ramakrishnan) uma jovem de descendência indiana que começa o segundo ano do
ensino médio decidida a perder a virgindade e se tornar popular. Ela decide
essa guinada depois de um ano difícil envolvendo a morte do pai e de ficar com
as pernas paralisadas. Agora que voltou a andar, Devi quer correr atrás do
tempo perdido, mas a vida escolar guarda surpresas.
De certa forma, a série adere a
batidas bem típicas dessas tramas adolescentes, como a protagonista que quer
tanto ser popular que se afasta das amigas e se torna o tipo de megera que
desprezava, o garoto com quem tem rivalidade, mas que acaba se aproximando
dela, o galã popular que a protagonista quer a todo custo pegar. Tudo está aí,
presente, mas o texto de Mindy Kaling evita que seus personagens sejam
arquétipos vazios ao dar a eles seus próprios conflitos e problemas, ajudando a
humanizar todos esses personagens e dando mais complexidade a eles.
Vemos que o popular Paxton
(Darren Barnet) é excessivamente protetor em relação à irmã que tem síndrome de
Down e não deixa qualquer um se aproximar dele por medo de fazerem bullying com a irmã. O competitivo Ben
(Jaren Lewison) parece só um moleque mimado, mas aos poucos a trama mostra o
quanto ele é solitário, ignorado pelos pais e pessoas próximas. Eleanor (Ramona
Young) lida com a possibilidade de ter sido abandonada pela mãe. Nalini (Poorna
Jagannathan), a mãe de Devi, nunca é reduzida ao clichê da mãe rígida, também
tendo suas próprias motivações que nos fazem entender as ações dela. Assim,
cada personagem soa como uma pessoa com seus próprios problemas e conflitos e
não apenas dispositivos narrativos colocados ali apenas para que a série siga o
traçado que se espera de uma comédia adolescente.
Do mesmo modo, a trama de Devi
vai aos poucos mostrando que sua busca por popularidade e um namorado é também
uma forma dela fugir de sentimentos que ela não quer confrontar em relação à
morte do pai e o relacionamento difícil que ela tem com a mãe. Nesse sentido, a
série não foge de mostrar a imaturidade de Devi e modo como ela se comporta
como se a dor dela fosse uma justificativa para tudo, agindo como se os
problemas dos outros fossem menores que os dela. De novo, nada disso é inédito
em tramas adolescentes, mas a série constrói tudo isso com uma sinceridade
emocional tão grande que é difícil não se deixar envolver.
O arco de Devi ainda lida com
questões de identidade e cultura ao tratar do deslocamento da protagonista em
relação à cultura indiana. Enquanto os pais dela são imigrantes e ainda estão
conectados com suas raízes nacionais, Devi nasceu nos EUA e se sente mais
estadunidense do que indiana, tendo dificuldade em conciliar entre esses dois
mundos.
Eu Nunca... consegue, portanto, transitar de maneira orgânica entre
drama e comédia, criando tramas envolventes para seus personagens mesmo sem
reinventar a roda das narrativas adolescentes.
Nota: 8/10
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