Desenvolvido pela Remedy, os mesmos criadores de Alan Wake e Quantum Break, Control foi
lançado em agosto de 2019, mas só agora eu consegui jogá-lo e fiquei
impressionado pelo como o game consegue criar uma atmosfera singular de
estranheza e mistério. Na trama do jogo, a protagonista Jesse está em busca do
irmão que foi levado por agentes do governo quando eram crianças. A busca leva
Jesse ao prédio do misterioso Departamento Federal de Controle, uma espécie de
departamento secreto voltado para pesquisar e defender a população de ameaças
paranormais.
Ao chegar no prédio sede do departamento, Jesse descobre que
o lugar foi invadido por uma força sobrenatural chamada de Ruído. O prédio é
também uma locação mística, conhecido como A Casa Antiga, e por conta da
invasão se fechou do mundo exterior. Agora Jesse precisa enfrentar a ameaça se
quiser descobrir o que aconteceu com o irmão.
A narrativa trabalha para deixar o jogador imerso em um
universo no qual o sobrenatural está sempre presente, mas nunca é plenamente
compreendido e guarda em si todo tipo de ameaça inimaginável. Na mitologia do jogo
objetos comuns como geladeiras e televisores podem ser imbuídos de força
sobrenatural ou possuídos por entidades e causar enorme estrago ao mundo
humano.
A arquitetura brutalista de Control |
A sensação de estranheza vem muito do design dos espaços, já que tudo é feito seguindo uma arquitetura
brutalista. É um movimento arquitetônico das décadas de 50 e 60 e privilegiava
de maneira radical o que eles chamavam de “verdade estrutural” das edificações.
Ou seja, era uma arquitetura que trabalhava para expor e nunca esconder seus
elementos estruturais, deixando o concreto, a madeira ou o metal completamente
expostos e com um mínimo de ornamentação.
No jogo, os corredores, paredes e espaços de concreto ou
metal cru ajudam a construir a impressão de espaços estéreis, desolados,
desprovidos de humanidade. A esterilidade também é fruto de escolhas na paleta de cores, que pende para tons frios, em baixa saturação. As superfícies angulosas, com poucas curvas e linhas
retas dão a impressão de algo mecânico, não natural. Sem janelas ou qualquer
meio de ver o mundo fora da Casa Antiga, os espaços são fechados,
claustrofóbicos, opressivos. Parece um simulacro de nosso mundo, algo que
remete a ele, mas, ao mesmo tempo é externo a ele. Essas escolhas de direção de
arte operam justamente para transmitir esse desconforto e estranheza.
A maneira como a história é contada também contribui para
esse universo enigmático, no qual nada é plenamente desvendado ou compreendido.
Sabemos que o Ruído é uma entidade sobrenatural hostil e alguns documentos
encontrados ao longo do jogo fornecem alguma explicação sobre o passado do
departamento, o funcionamento de objetos de poder ou do plano astral, mas nada
é plenamente explicado, o que ajuda a vermos essas entidades como forças de uma
dimensão desconhecida e além de nossa compreensão. O fato do estranho zelador,
Ahti, ser capaz de transitar por aparentemente qualquer lugar da Casa Antiga,
por exemplo, nunca é explicado. A quantidade de informação que recebemos é
suficiente para que os elementos do universo não soem vagos ou frouxos, mas não
o bastante para acabar completamente com a aura de mistério que cerca tudo
aquilo.
O líquido vermelho que simboliza a interferência do Ruído |
Certas opções estéticas contribuem para denotar o quanto
essas forças sobrenaturais afetam a mente de Jesse. É comum ao longo da
história o uso de jump cuts (cortes
abruptos na imagem) para a inserção de planos rápidos com os rostos de alguns
personagens, imagens de um líquido vermelho inundando a tela, como que para
denotar o Ruído corrompendo o pensamento de Jesse, ou imagens de uma pirâmide
preta invertida que se comunica com Jesse.
Outra escolha importante é a de inserir cenas e vídeos com
atores reais. Ao longo da trama, Jesse encontra vídeos do setor de pesquisa do
departamento ou tem visões com o antigo diretor do DFC. Essas cenas são
performadas por atores reais, de carne e osso, não por modelos digitais. A
disjunção entre real e digital habitando o mesmo universo e o fato dos
personagens não perceberem a diferença do regime de registro contribui para o
sentimento de que estamos em um lugar em que realidades, dimensões e universos
colidem. Isso fica evidente também em algumas cenas perto do final no qual Jesse
varia brevemente entre seu modelo digital e a atriz real (Courtney Hope) na
qual a aparência e voz da personagem se baseiam.
As falas do Conselho |
A maneira como o jogo apresenta alguns diálogos é outro
fator que contribui para o senso de estranhamento e incompreensão. Nas
conversas com a entidade conhecida como “O Conselho” (a pirâmide invertida que
aparece nas visões da personagem), as falas desse ser são transmitidas em
ruídos ininteligíveis. Só é possível compreender o que está sendo dito por
conta das legendas, mas essas legendas apresentam várias palavras entre barras,
como se não houvesse uma tradução exata para a fala da entidade e as legendas
estivessem tentando aproximar esse discurso da nossa linguagem a partir de
múltiplos sinônimos, embora também os termos entre barras ocasionalmente
apareçam como contraditórios entre si.
As falas do Conselho são tipo: “Você/Nós empunha a
arma/você”. E essa imprecisão de termos ou do que exatamente ele está querendo
dizer para Jesse ajuda a vermos esse “personagem” (por falta de uma designação
melhor) como uma entidade localizada em um plano de existência tão distante do
nosso que é impossível compreendê-la plenamente. As escolhas estéticas que
estruturam a linguagem de sua fala são feitas justamente para exibir essa
dificuldade de compreensão.
Com todos esses elementos, Control consegue deixar o espectador imerso em seu estranho e
enigmático. De algum modo, o jogo e a maneira como a história é conduzida me
lembraram bastante os trabalhos do diretor David Lynch, em especial Twin Peaks. Control é um ótimo exemplo de como estética e construção de
atmosfera são capazes de criar uma experiência bem singular.
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