Este Sombras da Vida é
basicamente uma história de fantasma contada do ponto de vista do próprio
fantasma ao invés daqueles assombrados por ele. É menos uma história de terror
ou mistério e mais um drama existencial que tenta entender o que é ser um
fantasma.
A trama segue o casal interpretado por C (Casey Affleck) e M
(Rooney Mara). Quando C morre em um acidente de carro, ele volta para sua casa
como um fantasma, daqueles com um lençol branco na cabeça, para observar o luto
da esposa. A existência do fantasma se estende ao longo dos anos e ele continua
a habitar a casa mesmo depois da esposa ter se mudado do imóvel.
É um filme com poucos diálogos, que se constrói muito a
partir das imagens para nos dar a dimensão do isolamento e solidão de seus
personagens, seja a esposa enlutada interpretada por Rooney Mara, seja no
fantasma que vaga pelas eras. O som é um elemento que ajuda a destacar a
solidão e o isolamento dos personagens, seja pelos ruídos ambientes com insetos
ou vento que explicitam o vazio daquele lugar, seja pelo uso de efeitos sonoros
em volume considerável para mostrar as quebras nesse silêncio.
Isso fica evidente na cena em que a personagem de Mara
remove a amassa uma folha de papel alumínio que está cobrindo uma torta e o
papel faz um barulho muito mais alto do que estamos acostumados a ouvir, como
que para mostrar o quão quieto é aquele espaço. A cena em questão também
acompanha a personagem quase que em tempo real enquanto ela compulsivamente
come a torta. É uma cena longa, quase sem corte e sem diálogo, mas que consegue
nos dar a dimensão da solidão e dor da mulher enlutada pelo modo como é filmada
e pela interpretação de Rooney Mara, cuja linguagem corporal deixa evidente que
ela está comendo para tentar engolir o que está sentindo naquele momento.
A montagem usa cortes e elipses temporais que muitas vezes
parecem até planos sequência, em muitos momentos disfarçando ao máximo os
cortes para nos dar a impressão de como o fantasma experimenta o tempo de
maneira diferente, com meses ou anos se passando em segundos pela percepção da
criatura. É impressionante como o filme é capaz de mobilizar nossa empatia por
um personagem que não fala e não mostra os rosto (nos privando assim das
expressões faciais do ator) apenas com o uso da montagem, construção de planos,
enquadramentos e também o uso da música. A trilha musical usa muitas faixas
instrumentais com melodias fantasmagóricas, repletas de estranhamento, mas que
também denotam certa melancolia e solidão, nos aproximando do que o fantasma
deve estar sentindo.
Aqui o tormento do fantasma não é exatamente o fato de estar
morto, mas sua estagnação. A tragédia do fantasma é permanecer o mesmo, no
mesmo lugar em um mundo, um universo que está sempre em movimento, sempre em
transformação. Enquanto todos seguem com suas vidas, constroem novas
experiências, se modificam, o fantasma continua o mesmo, parado, sem propósito.
A narrativa nos lembra que nossa finitude e a busca por um legado, por uma
maneira de permanecermos vivos nas memórias daqueles que nos conheceram, é um
dos principais motores de nossa existência. Desprovido disso o fantasma não tem
muito pelo que existir ainda que, independente de sua vontade, permaneça
existindo, invisível, sozinho, um espectador passivo da vida.
Sombras da Vida poderia
ser um filme extremamente depressivo, mas a condução de David Lowery confere
alguma medida de beleza e lirismo para a densa reflexão sobre a inevitabilidade
da morte e implacabilidade do tempo.
Nota: 9/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário