sexta-feira, 10 de julho de 2020

Crítica – Sombras da Vida


Análise Crítica – Sombras da Vida

Review Crítica – Sombras da VidaEste Sombras da Vida é basicamente uma história de fantasma contada do ponto de vista do próprio fantasma ao invés daqueles assombrados por ele. É menos uma história de terror ou mistério e mais um drama existencial que tenta entender o que é ser um fantasma.

A trama segue o casal interpretado por C (Casey Affleck) e M (Rooney Mara). Quando C morre em um acidente de carro, ele volta para sua casa como um fantasma, daqueles com um lençol branco na cabeça, para observar o luto da esposa. A existência do fantasma se estende ao longo dos anos e ele continua a habitar a casa mesmo depois da esposa ter se mudado do imóvel.

É um filme com poucos diálogos, que se constrói muito a partir das imagens para nos dar a dimensão do isolamento e solidão de seus personagens, seja a esposa enlutada interpretada por Rooney Mara, seja no fantasma que vaga pelas eras. O som é um elemento que ajuda a destacar a solidão e o isolamento dos personagens, seja pelos ruídos ambientes com insetos ou vento que explicitam o vazio daquele lugar, seja pelo uso de efeitos sonoros em volume considerável para mostrar as quebras nesse silêncio.

Isso fica evidente na cena em que a personagem de Mara remove a amassa uma folha de papel alumínio que está cobrindo uma torta e o papel faz um barulho muito mais alto do que estamos acostumados a ouvir, como que para mostrar o quão quieto é aquele espaço. A cena em questão também acompanha a personagem quase que em tempo real enquanto ela compulsivamente come a torta. É uma cena longa, quase sem corte e sem diálogo, mas que consegue nos dar a dimensão da solidão e dor da mulher enlutada pelo modo como é filmada e pela interpretação de Rooney Mara, cuja linguagem corporal deixa evidente que ela está comendo para tentar engolir o que está sentindo naquele momento.

A montagem usa cortes e elipses temporais que muitas vezes parecem até planos sequência, em muitos momentos disfarçando ao máximo os cortes para nos dar a impressão de como o fantasma experimenta o tempo de maneira diferente, com meses ou anos se passando em segundos pela percepção da criatura. É impressionante como o filme é capaz de mobilizar nossa empatia por um personagem que não fala e não mostra os rosto (nos privando assim das expressões faciais do ator) apenas com o uso da montagem, construção de planos, enquadramentos e também o uso da música. A trilha musical usa muitas faixas instrumentais com melodias fantasmagóricas, repletas de estranhamento, mas que também denotam certa melancolia e solidão, nos aproximando do que o fantasma deve estar sentindo.

Aqui o tormento do fantasma não é exatamente o fato de estar morto, mas sua estagnação. A tragédia do fantasma é permanecer o mesmo, no mesmo lugar em um mundo, um universo que está sempre em movimento, sempre em transformação. Enquanto todos seguem com suas vidas, constroem novas experiências, se modificam, o fantasma continua o mesmo, parado, sem propósito. A narrativa nos lembra que nossa finitude e a busca por um legado, por uma maneira de permanecermos vivos nas memórias daqueles que nos conheceram, é um dos principais motores de nossa existência. Desprovido disso o fantasma não tem muito pelo que existir ainda que, independente de sua vontade, permaneça existindo, invisível, sozinho, um espectador passivo da vida.

Sombras da Vida poderia ser um filme extremamente depressivo, mas a condução de David Lowery confere alguma medida de beleza e lirismo para a densa reflexão sobre a inevitabilidade da morte e implacabilidade do tempo.

Nota: 9/10

Trailer

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