A terceira temporada continua onde o segundo ano parou, com Miguel (Xolo Maridueña) em coma depois da briga generalizada na escola, Kreese (Martin Kove) forçando a saída de Johnny do Cobra Kai e Daniel decidindo fechar o Miyagi-Do pela segurança dos alunos. Era de se esperar que as coisas esfriassem depois do conflito, mas Kreese parece disposto a insuflar ainda mais a rivalidade entre os seus alunos para provar que é superior a Daniel e Johnny.
Kreese continua a ser essa força do passado que não se permite ser alterada, insistindo em um modo de pensar antiquado e em platitudes sobre uma “geração de maricas” que não passam de puro preconceito, o personagem é um símbolo de como o apego e a tentativa de trazer de volta o passado no presente pode ser perigoso. Se na temporada anterior ele era uma figura quase que unidimensional em sua vileza e desfaçatez, aqui ele ganha alguma nuance quando aprendemos sobre seu passado e as experiências traumáticas no Vietnã que moldaram a figura desumana que Kreese se tornou.
Por sinal, Kreese é um daqueles vilões que dá gosto de odiar, porque além de ser uma presença imponente e intimidadora, o personagem é de fato eficiente em combater seus adversários, tanto em termos físicos quanto intelectuais. Evitando sempre desferir o primeiro golpe, ele orienta seus alunos a provocarem e intimidarem os discípulos de Daniel para tirá-los do sério e fazê-los iniciar o confronto. Assim, os garotos do Cobra Kai sempre posam de inocentes, que não fizeram nada demais e só reagiram aos ataques de Sam (Mary Mouser) e os demais.
Lidando com a ideia de que pode ter sido indiretamente responsável com o que aconteceu com Miguel, Johnny repensa seu papel como sensei e a jornada do personagem aqui continua o caminho que ele vinha trilhando desde a segunda temporada, de encontrar um estilo próprio de ensinar desgarrado da brutalidade e manipulação de Kreese. Aqui mais uma vez a série reforça a ideia da necessidade de não se prender a tentar recriar o passado, mas observá-lo criticamente. Só quando Johnny avalia suas decisões e usa o passado para pensar o futuro que ele começa a realmente mudar de atitude e crescer como professor.
O reencontro de Johnny com Ali (Elizabeth Shue) reforça isso. Seria fácil que a narrativa usasse Ali para forçar um triângulo amoroso entre ela, Johnny e a mãe de Miguel, mas o roteiro é esperto o bastante para não cair nesse lugar comum. Ao invés disso, o episódio envolvendo Johnny, Daniel e Ali é usado para que os personagens repensem as atitudes deles no passado, com Ali explicitamente dizendo a Johnny que ele precisa mirar no futuro e não pode tentar refazer o que aconteceu antes. Aqui não há dúvida da postura anti-nostálgica da série.
O arco de Daniel, de certa forma, também toca nesses temas, principalmente na ida do personagem ao Japão, o que logicamente o leva a encontrar novamente personagens do segundo Karate Kid. A aparição de Chozen (Yuji Okumoto), rival de Daniel em Okinawa, traz alguns bons momentos de humor e também ponderações sobre a relação dos personagens do passado. É impossível não olhar para Chozen e não fazer paralelos com Johnny e como a diferença entre eles se dá pelo modo com o qual se relacionam com o passado. Enquanto Johnny cultivou ressentimento por Daniel e o culpava por todos os problemas de sua vida, Chozen conseguiu extrair aprendizado da derrota e amadureceu com ela, mostrando como o apego ao passado pode ser prejudicial.
Apesar de todo o competente desenvolvimento de personagens, em alguns momentos a série derrapa em coincidências e soluções muito convenientes. Um exemplo é como Daniel encontra a garotinha que tinha salvo de uma tempestade em Karate Kid II e descobre que ela calha de ser uma importante executiva da empresa de automóveis japonesa com quem tentava negociar.
Do mesmo modo, o ataque dos Cobra à casa de Daniel no final da temporada soa incoerente com as estratégias deles até então. Se antes eles sempre desestabilizavam o adversário e os atraiam para alguma armadilha ou espaço no qual tinham vantagem, no final da temporada eles fazem a escolha de atacá-los diretamente e de peito aberto. Isso não só seria estrategicamente arriscado (os oponentes tem controle do campo de batalha) como também serviria de prova de eram eles que estavam iniciando o confronto, inclusive porque imagino que a casa de alguém como o Larusso certamente deve ter algum sistema de segurança, câmeras ou qualquer aparato do tipo.
Ainda em relação ao final, a mudança de lado de Falcão (Jacob Bertrand) no final soa um pouco súbita demais. Sim, ele já tinha demonstrado incômodo e descontentamento com o fato de Kreese ter trazido os antigos valentões da escola para o Cobra Kai e ter virado as costas para Miguel, bem como é possível ver nele um sutil desconforto na cena em que ele quebra o braço de Demetri (Gianni Decenzo) em um ponto anterior da temporada. Ainda assim, a maneira como ele subitamente escolhe mudar de lado no final poderia ser tratada com mais sutileza, com o personagem aos poucos tentando conter os outros Cobra e defender Miguel até o ponto em que ele percebe que se importa mais com Miguel e Demetri do que com os demais. Na verdade, boa parte do elenco adolescente é relegado a segundo plano, como o trauma de Sam em relação à luta com Tory (Peyton List).
Mesmo com algumas conveniências de roteiro, a terceira
temporada de Cobra Kai continua a
oferecer um competente desenvolvimento de personagens, ótimas cenas de ação e
um importante ponderação sobre a tendência nostálgica da indústria cultural
contemporânea.
Nota: 8/10
Trailer
Nenhum comentário:
Postar um comentário