A trama segue Gus (Christian Convery), um garoto metade humano e metade cervo que vive isolado com o pai, Richard (Will Forte), em uma cabana da floresta depois que um vírus dizimou os humanos. Ao mesmo tempo em que o vírus surgiu, híbridos entre humanos e animais começaram a nascer, fazendo muitas pessoas acharem que os híbridos foram os responsáveis pelo vírus. Depois da morte do pai, Gus decide cruzar o país em busca da mãe e para isso consegue a ajuda de Jepp (Nonso Anozie) que o protege dos perigos desse mundo hostil e de pessoas como o general Abbot (Neil Sandilands, fazendo seu melhor cosplay de Dr. Robotnik) que capturam híbridos para usá-los como cobaias para uma possível cura do vírus.
Se os quadrinhos dão a impressão de um tratamento mais sombrio a essa história, a série observa a jornada de Gus com um tom mais leve, aventuresco e próximo de um filme do Steven Spielberg da década de 80, como ET: O Extraterrestre (1982). Essa abordagem está presente desde a narração de James Brolin e também na construção dos personagens. O garoto Christian Convery é adorável como Gus, sendo eficiente em nos apresentar o deslumbramento e ingenuidade infantil do protagonista diante do mundo que ele começa a descobrir. A doçura que ele traz ao personagem ajuda a entender como Jepp baixa sua guarda e sua dureza e se deixa conquistar pelo menino.
Ao longo da temporada há um afeto extremamente sincero sendo forjado entre Gus e Jepp e é um laço que soa genuíno tanto pelo trabalho dos atores quanto pela construção do roteiro em dar a Jepp uma motivação convincente para agir como age. Na verdade, os personagens em geral tem histórias pregressas e motivações que tornam críveis as ações deles no presente, seja a desconfiança que Ursa (Stefania LaVie Owen) tem de adultos e seu desejo de proteger híbridos, seja a decisão de Adi (Adeel Akhtar) em abrir mão de sua ética médica para realizar experiências com híbridos na esperança de curar a esposa.
Apenas o general Abbot não tem sua história contada nessa temporada, o que o faz soar como um milico fascistoide genérico, embora Neil Sandilands (que foi o Pensador na série do Flash) consiga trazer uma gravidade e senso de ameaça que faz o personagem funcionar. Por outro lado, o tom mais ingênuo e aventuresco da trama impede que certos momentos mais sombrios tenham a devida gravidade. Um exemplo é a tortura de Jepp nas mãos do exército animal, como a trama malmente nos permite ver o que houve, apenas nos informa da tortura e não dá muitos indícios visuais da violência sofrida, a tortura a qual ele é submetida não soa tão grave quanto deveria.
Além disso, em momentos de decisões chave a narrativa tira dos personagens qualquer poder de decisão sobre escolhas difíceis ou moralmente ambíguas, sempre colocando alguém ou alguma coisa para convenientemente fazer as coisas acontecerem para os personagens. Isso acontece no episódio em que uma vizinha de Adi descobre a doença da esposa dele e está prestes a contar tudo para o bairro quando a égua do médico a mata com um coice, evitando que o próprio Adi precise escolher matar a vizinha. Do mesmo modo, quando Gus, Jepp e Ursa estão encurralados por inimigos em um trem, eles encontram um antigo conhecido de Jepp que convenientemente decide se sacrificar para garantir a fuga deles, evitando que o trio principal precise tomar alguma decisão difícil sobre abandonar alguém.
Tudo isso soa covarde, querendo impedir que a hostilidade e brutalidade desse espaço de fato impregnem esses personagens, evitando que as coisas fiquem sombrias ou ambíguas demais para a o olhar mais leve que a série tenta construir. É uma pena, já que ser algo para um público mais jovem, com ludicidade e aventura não necessariamente deveria ser um impedimento para que coisas horríveis acontecessem e decisões ruins fossem tomadas, Stranger Things é um bom exemplo disso.
Ainda assim, Sweet Tooth é uma envolvente e encantadora aventura sobre encontrar
esperança em meio ao apocalipse, elevada pelo cuidado do texto em construir
seus personagens e no talento dos protagonistas.
Nota: 8/10
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