Sim, pois por conta de nosso conhecimento de Breaking Bad sabemos que figuras como Kim (Rhea Seehorn), Howard (Patrick Fabian) ou Lalo (Tony Dalton) já não fazem mais parte da vida de Saul/Jimmy (Bob Odenkirk). Desde a temporada passada teorizamos como o envolvimento com Lalo ou o plano para derrubar Howard seria provavelmente o fim de Kim. Por mais que soubéssemos que essas figuras sairiam de cena de um modo ou de outro, a temporada é extremamente eficiente em nos pegar desprevenidos em relação a como isso acontece.
Aí é que entra o outro atributo importante da série: o timing. Sempre falei que a série, assim como Breaking Bad, tinha uma temporalidade de western. Tudo é dilatado em eventos que parecem banais, mas cujo somatório vai produzindo tensões que dão a impressão de que vão estourar a qualquer momento e tudo vai se modificar quando isso acontecer.
Nessa primeira metade da temporada dois eventos foram construídos com essa paciência. O primeiro foi o plano de Jimmy e Kim para sabotarem a reputação de Howard e forçarem uma conclusão do caso Sandpiper. A outra era o esforço de Lalo em descobrir os segredos de Gus. Os dois núcleos narrativos seguem um ritmo extremamente deliberado, ao ponto em que parece que a série está escondendo demais o jogo, mas quando chegamos no sétimo e último episodio dessa metade inicial tudo se encaixa de um jeito arrebatador.
De maneira semelhante a Breaking Bad, Better Call Saul sempre explorou o peso das consequências de ações criminosas ou vis. Tanto para quem comete quanto para quem é vítima e isso está em força total nessa temporada. Um flashback mostrando a infância de Kim revela como a impunidade pode levar alguém a ousar cruzar os limites cada vez mais até que tudo inevitavelmente desmorone, algo que já prefigurava como o plano de Kim e Jimmy para Howard podia ter consequências piores do que qualquer um deles imaginaria.
Em outro momento, Howard conta a um estagiário de sua firma uma anedota sobre Chuck (Michael McKean) e como ele evitava que latas de refrigerante sacudidas estourassem. Parece um comentário insuspeito sobre as manias de Chuck, mas que parece também indicar de onde vem suas fobias e paranoias. Quantas vezes ao longo da vida Chuck teria sido vítima de pegadinhas de Jimmy ao ponto de sempre tentar antecipar alguma vindo? De alguma maneira (e deixo claro que isso pode ser um excesso interpretativo da minha parte) a série parece indicar que Jimmy tem alguma responsabilidade pelas idiossincrasias do irmão, tornando-o ainda mais responsável pelo trágico fim de Chuck.
Falando em Howard, apesar dele estar em posição antagônica a Jimmy, a série não o transforma plenamente em vilão. Na verdade, a temporada trabalha para humanizar Howard ainda mais, nos mostrando as inseguranças dele em uma sessão de terapia ou suas tentativas mal sucedidas de consertar seu casamento infeliz. Jimmy e Kim (e nós da audiência) sempre enxergavam Howard como um engomadinho egocêntrico, mas aqui o vemos como um sujeito que, embora seja tudo isso, também é alguém bastante vulnerável, passando por várias tribulações pessoais às o golpe dos protagonistas soa como um chute em quem está caído.
É por isso que a cena final de Howard entrando no apartamento de Jimmy e Kim surpreende. Porque o advogado não vai lá buscando um confronto, mas para dizer aos dois algumas verdades. Se no início Kim ou Jimmy não parecem se afetar pelas ofensas de que são sociopatas sem alma, quando Howard revela tudo que está passando Kim sutilmente rompe sua fachada impassível, nos permitindo ver que naquele momento ela sente pelo que fez. Esse momento de arrependimento amplifica o que virá a seguir.
A entrada de Lalo na cena é digna de um filme de terror, com a chama das velas oscilando para sinalizar a porta se abrindo. Se antes havia uma condescendência na voz de Kim quando ela pede para Howard ir embora, como se tivesse pena ou desprezo, agora suas súplicas tem tom de pavor. Howard percebe tarde demais o que estava acontecendo, sendo sumariamente executado. A expressão de Kim é de puro e abjeto horror.
Tanto ela como Jimmy sabiam que desmoralizar Howard poderia acabar com ele, mas nenhum dos dois imaginou que literalmente seria o fim de Howard. É a culminação de tudo que todos esses personagens fizeram até aqui. A soma de todas as pequenas decisões que foram lentamente se acumulando, como sedimentos no leito de um rio, até chegar naquele. Não podemos esquecer, por exemplo, que Jimmy tem culpa na depressão Howard, por tê-lo feito acreditar que ele teria sido culpado pela morte de Chuck (quando a culpa foi do próprio Jimmy), nem que Kim sabia que Lalo estava vivo, mas não contou a Jimmy, provavelmente porque Jimmy iria querer continuar escondido, inviabilizando o golpe contra Howard. Sim, Kim estava também confiando na promessa de Mike (Jonathan Banks) e não tinha como saber que Lalo tinha tapeado a vigilância, mas não deixa de ser algo fruto de uma decisão deliberada dela.
Falando nisso, tenho curiosidade
como esses eventos irão repercutir em Mike, já que essa é mais uma vez que ele
falha em manter alguém em segurança (como seu filho, Werner Ziegler ou Nacho).
Mais que isso, toda a situação pode ser o estopim para o afastamento entre
Jimmy e Kim. Por mais ela sobreviva (e ainda não temos como saber se ela
sobreviverá), lidar com a culpa do que fizeram a Howard talvez seja demais para
ela. Independente do que aconteça, o desfecho dessa primeira metade da
temporada deixa evidente o trauma que pode colocar definitivamente Jimmy no
caminho de ser o advogado criminoso Saul Goodman e afastá-lo de Kim definitivamente. Que Better Call Saul consiga nos manter na
expectativa de como isso irá acontecer é um testamento de sua qualidade
narrativa.
Trailer
Trailer COMPLETO e LEGENDADO da última temporada de Better Call Saul from Breaking Bad Brasil on Vimeo.
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