quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Crítica – Os Fabelmans

Análise Crítica – Os Fabelmans


Review – Os Fabelmans
Baseado na própria juventude do diretor Steven Spielberg, Os Fabelmans não apenas permite que compreendamos sua formação como realizador e as origens de elementos recorrentes em sua arte como é uma carta de amor ao cinema e ao poder da arte. O que mais impressiona é como Spielberg consegue aqui falar de si mesmo e seus anos formativos sem soar ególatra como as vezes acontece em produções autobiográficas em que um artista analisa sua própria arte.

A trama começa na década de 50, acompanhando a infância e juventude de Sammy (Gabriel Labelle), um jovem de família judia que se fascina pelo cinema. Além da crescente paixão do protagonista pela sétima arte, o filme acompanha a jornada da família de Sammy em suas múltiplas mudanças por conta do trabalho de seu pai, Burt (Paul Dano), e a relação complicada que o protagonista tem com a mãe, Mitzi (Michelle Williams).

É curioso que o filme comece justamente com Sammy sendo levado pelos pais ao cinema pela primeira vez. É como se a narrativa e o próprio Spielberg quisessem nos dizer que sua existência ou sua personalidade tal como conhecemos só passa a existir a partir do contato com essa forma de arte. Inclusive, ao longo do filme, boa parte das experiências que Sammy vai ter, desde se aproximar dos colegas de escola a descobrir o caso extraconjugal da mãe, acontece através do cinema. O cinema funciona como um veículo para que Sammy fale aquilo que não consegue explicitar com palavras, como um meio de dar vazão a sentimentos represados.

A narrativa transborda de amor pelo cinema e pelo ato de fazer filmes, mostrando a inventividade do jovem Sammy em improvisar efeitos visuais e fazer situações complexas com objetos simples para seus filmes. Ao longo da trama conseguimos ver como elementos recorrentes da filmografia de Spielberg inicialmente despertaram seu interesse ou influenciaram sua produção. De sua paixão por trens desde a infância que motivou cenas com trens ao longo de sua carreira, como a cena com a maquete de trens em Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) ou a perseguição no trem em Indiana Jones e a Última Cruzada (1989). Do mesmo modo o impacto do divórcio dos pais certamente motivou seus vários protagonistas cujos pais também se separaram e o interesse de Sammy nas histórias de Burt sobre a Segunda Guerra talvez tenha sido o ponto de partida para algo como O Resgate do Soldado Ryan (1998).

A produção, no entanto, não se resume a esse encantamento com o cinema, funcionando como um afetuoso conto de amadurecimento e relações familiares. Nesse sentido, o jovem Gabriel Labelle é um achado como Sammy, trazendo a afabilidade, curiosidade e engenhosidade de alguém que viria a ser um importante diretor, mostrando também suas inseguranças e vulnerabilidade. Há nele uma ingenuidade encantadora em sua crença no poder do audiovisual. Michelle Williams se destaca como a mãe do protagonista trazendo uma excentricidade artística que nos ajuda a entender o que direcionou Sammy para as artes ao mesmo tempo em que nos deixa ver as inquietações da personagem, que se deixa levar por um casamento onde não é completamente feliz pelo bem dos filhos.

A trama mostra o impacto que ver o casamento dos pais desmoronar tem sobre os Fabelmans, mas nunca reduz a situação a maniqueísmos simplórios, evitando vilanizar Mitzi e reconhecendo que muito da maneira agressiva que Sammy trata a mãe é fruto de imaturidade. Se da mãe Sammy pega sua imaginação artística, do pai engenheiro Sammy pega sua inventividade técnica, revelando como o papel da família foi importante em sua formação. Falando em formação eu não poderia deixar de mencionar a divertidíssima participação de David Lynch interpretando o cineasta John Ford, rendendo um dos momentos mais engraçados do filme. É difícil não deixar a sala de projeção com um sorriso no rosto ao ver a câmera ajustar seu eixo vertical depois dos conselhos de Ford sobre onde a linha do horizonte deve ficar.

Os Fabelmans ­é um relato autobiográfico visualizado sob as lentes da nostalgia, mas nunca se entrega a um memorialismo vazio (como Spielberg fez em Jogador Número Um), analisando seus anos formativos e olhando de maneira afetuosa a relação imperfeita de seus pais, celebrando isso através do poder de fabulação do cinema.

 

Nota: 9/10


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