A trama começa algum tempo depois do final do terceiro filme. Já reestabelecido depois da traição de Winston (Ian McShane), John decide ir atrás dos anciãos que compõem a Cúpula e mata um deles. A Cúpula reage dando ao cruel Marquês (Bill Skarsgard) plenos poderes para caçar John e a primeira ação do vilão é demolir o hotel Continental de Nova Iorque e matar o concierge Charon (Lance Reddick, em seu último papel) como punição pelo fracasso de Winston. Agora John não tem mais aliados e precisa dar um jeito de sobreviver.
Como nos outros filmes, este sabe usar muito bem os clichês ao seu favor, supondo que o público já sabe como funciona esse tipo de trama de vingança e partindo direto para a ação, sem perder tempo com exposições clichê sobre o que move esses personagens. Da mesma forma que os anteriores, mesmo com essa estrutura familiar, o filme consegue ter personalidade própria por conta da maneira singular com a qual constrói seu submundo de assassinos e toda burocracia que há nele e pelos personagens singulares que habitam esse mundo, como o assassino cego Caine (Donnie Yen) ou o corpulento Killa (Scott Adkins), cuja combinação entre peso e agilidade lembra o Bob de Tekken.
O ponto alto é logicamente a ação e com quase três horas de duração era de se imaginar que a pancadaria e tiroteios ficaria cansativa, mas a verdade é que esse é um filme em que mal senti o tempo passar. Isso porque o filme é bastante inventivo nos embates que cria, explorando de maneira criativa as habilidades de cada assassino. Um exemplo é a sequência protagonizada por Caine em Ozaka, na qual ele espalha sensores sonoros pelo campo de batalha para que um toque de campainha o alerte para a posição dos inimigos durante o combate. Donnie Yen é preciso na linguagem corporal de seu personagem, convencendo que estamos de fato diante de um homem cego contornando suas limitações para ser eficiente em combate.
Além da criatividade, há também toda a engenhosidade em construir longas e complexas coreografias de combate, com muitas pessoas em cena, em planos relativamente abertos e com poucos cortes. Isso fica visível na luta de John com as tropas da Cúpula no Japão em que ele alterna diferentes armas de fogo, punhos e até um nunchaku. Apesar de muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, nunca temos a sensação de que perdemos o senso de coesão espacial e sabemos exatamente onde está cada personagem e o que ele está fazendo. Um tiroteio em um prédio francês contra uma gangue que usa munição incendiária é mostrado para nós em longos planos-sequência vistos de cima, no qual temos uma visão abrangente da ação e da complexa movimentação entre os vários envolvidos em movimento preciso com a pirotecnia dos tiros incendiários.
Uma longa cena de luta na rotatória do Arco do Triunfo mescla de maneira eficiente atores e dublês com os carros digitais que compõem a paisagem, dando realmente a impressão de que a luta acontece em meio a um trânsito intenso. O terço final entrega uma luta na escadaria estreita que explora a tensão de lutar em um espaço limitado, além de soar como uma versão mais porradeira da seminal cena da escadaria de O Encouraçado Potemkin (1925), de Eisenstein. Isso sem falar no duelo climático que remete aos cânones do western, na perseguição a cavalos no início que remete a Lawrence da Arábia (1962) ou a sequência de quedas de uma longa escadaria que poderia muito bem estar em uma comédia do Buster Keaton. É como se Chad Stahelski filtrasse toda a vocação hollywoodiana para o espetáculo a partir das lentes do cinema de ação.
O filme também consegue criar imagens evocativas fora das cenas de ação. Um bom exemplo é a cena em que Winston vai conversar com o Marquês em um opulento museu enquanto o vilão admira pinturas que trazem imagens da Revolução Francesa. Ver esse homem cercado de luxo e opulência olhando para imagens de revolucionários que guilhotinaram nobres como ele, mostra como a ideia de revolução popular se tornou peça de museu enquanto que aristocratas que exploram as desigualdades e vivem no luxo por conta disso permanecem vivos no presente. Toda a ideia da Cúpula como uma cabala invisível e extremamente poderosa, que não pode ser enfrentada diretamente, pode até mesmo ser entendida como uma metáfora para o capitalismo atual e como é impossível escapar dele, afinal trata-se de um sistema, não uma pessoa ou lugar.
O desfecho amarra com competência a jornada de John, Winston e os personagens que o cercam, apresentando uma conclusão tão definitiva para o personagem de Reeves que seria desonesto se fizerem mais um filme com ele. Na verdade, a única ponta solta do filme é o assassino Ninguém (Shamier Anderson), que funciona mais como um dispositivo de roteiro do que alguém que tem uma história a ser contada. Como a narrativa faz questão de manter o mistério de sua identidade imaginei em que algum momento teríamos a revelação de que ele estaria trabalhando para Winston ou para o Rei (Lawrence Fishburne). Como o assassino usa um cachorro, pensei até que fosse ser revelado que ele tinha algum parentesco com a personagem de Halle Berry no filme anterior, que também empregava métodos semelhantes. Mas não, o assassino é só um sujeito aleatório atrás de uma alta recompensa, o que soa deslocado em uma narrativa com tanta coisa em jogo para seus outros personagens.
John Wick 4: Baba Yaga entrega em explosivo clímax para o assassino
vivido por Keanu Reeves, recheado por algumas das melhores cenas de ação
produzidas em Hollywood em muito tempo.
Nota: 9/10
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