É meio difícil tentar definir o capítulo final de Lost que foi exibido neste domingo nos US and A ou todo impacto causado pela série ao longo dos seus seis anos de exibição. Relembrar o fenômeno cultural que a série foi ou a maneira genial como, ao longo de seis temporadas, Lost foi subvertendo sua estrura narrativa para melhor contar a sua história ou ainda a maneira como o público reagiu de modo tão intenso(para o bem ou para o mal) aos seis anos de série. Falar tudo isso seria chover no molhado.
Ao longo de seis anos fomos nos envolvendo com aquele grupo de pessoas que, de algum modo, se reunia naquela ilha cheia de mistérios. Acompanhávamos suas virtudes, seus defeitos, suas crenças, seus medos e seus traumas e nos interessávamos cada vez mais sobre o que aconteceria com aquelas pessoas que, no fim das contas, não eram boas ou más, não estavam certos ou errados, eram apenas pessoas, com toda a complexidade inerente ao ser humano. Vimos Jack abandonar sua exagerada frieza e racionalidade e tornar-se um homem de fé, vimos Sayid buscar redenção por seu passado e para mostrar que ainda havia bondade em si, acompanhamos Sawyer enquanto ele deixava de ser um golpista interesseiro para se tornar um estóico protetor de seus aliados e também vimos John Locke ser traído por sua própria crença quando, ao fazer o que acreditava ser certo, foi manipulando por uma entidade antiga que estava numa cruzada de vingança(e que também era uma vítima ao seu próprio modo), vimos o Desmond ser fodão e vimos a Kate...err...bem... vimos a Kate render uns episódios chatos pra cacete(e apesar disso a personagem se mostrou indispensável no final).
Sim, era por isso que via Lost, pelas pessoas. Claro que os mistérios eram interessantes e muitas vezes ficava matutando sobre o que diabos seria a ilha, mas, desde que a explicação de que era um local com abundante energia eletromagnética, eu sabia que a revelação final não iria além de "a ilha é um lugar mágico e ponto final", então desencanei de qualquer resposta mais elaborada ou complexa. Até porque, não importa o que dissessem, qualquer explicação apenas frustraria aqueles que não tiveram suas teorias atendidas, então melhor deixar que cada um use sua subjetividade para preencher as lacunas. O crítico Pablo Villaça inclusive fez uma ótima análise dessa necessidade de respostas que cito aqui:
"...considero-me inteligente o bastante para compreender que as lacunas podem ser preenchidas com minhas próprias teorias e "viagens". O mundo real não oferece respostas a tudo (algo que Michael Haneke adora esfregar na cara de seus fãs) e, assim, é interessante que às vezes nos divorciemos de nosso comodismo de espectadores e percebamos que, por mais que exijamos respostas para tudo, nem sempre seremos atendidos - e mesmo que fôssemos, qual a diferença? Seria uma resposta tão arbitrária e maniqueísta quanto qualquer outra que pudéssemos imaginar sozinhos. Lembrem-se do casal brincando na praia ao fim de Desejo & Reparação e percebam que uma série de respostas atiradas no final seria algo tão artificial, falso, como aquela cena - embora certamente fosse despertar uma sensação de "satisfação" em boa parte do público."
Ao invés de assistir o finale com uma listinha de perguntas que eu queria que os realizadores me respondessem, eu desprentensiosamente sentei e assisti, apreciando um final incrivelmente bem construído, que fechou os arcos de todos os personagens principais e alguns nem tanto(eu nem me lembrava da Shannon), trazendo interpretações inspiradas de todo o elenco, inclusive daqueles que estavam ali fazendo apenas participações especiais como Dominic Monaghan(Charlie) e Elizabeth Mitchell(Juliet). Como não se comover com a cena em que Juliet e Sawyer lembram um do outro, mostrando com apenas um olhar a emoção acumulada durante uma vida inteira(chorei feito uma menininha nessa cena, aliás durante boa parte dos 100 min. do finale) ou do sincero e singelo "Senti sua falta" de Kate para Jack, dos olhares de felicidade contida de Jin e Sun ao verem Sawyer, mesmo quando ele não lembra dos dois. Me surpreendi com a capacidade dramática de Jorge Garcia(Hurley) em seu diálogo final com Matthew Fox(Jack) na ilha, já que ao longo de seis anos me acostumei a vê-lo como alívio cômico.
Há de se destacar também o trabalho de Michael Emerson que teve uma trajetória brilhante como Ben Linus e encerrou o arco de seu personagem de forma não menos brilhante, da expressão de surpresa e admiração ao ser convidado por Hurley a ajudá-lo na ilha, mesmo depois de todo o mal que fizera, até o reencontro na realidade paralela evidenciando o respeito mútuo que os dois desenvolveram ao longo de uma vida; "Você foi um bom nº2", diz Hurley e Ben devolve "E você foi um bom nº1", uma fala simples, mas que revela a humildade adquirida pelo personagem, mostrando que ele não é mais aquele homem egoísta e ambicioso. Tocante também é a cena final entre Ben e John Locke(o também brilhante Terry O'Quinn), quando Ben se despe de toda vaidade e se mostra vulnerável ao homem que matou e pede seu perdão. O cuidado dos atores em suas composições é visto a cada quadro, até em pequenos gestos dos personagens como quando o "homem do delineador", Richard Alpert(interpretado por Nestor Carbonell), se mostra totalmente confuso na colocação do cinto de segurança, algo perfeitamente compressível já que o personagem nasceu no início do século 19(quando, obviamente, não existiam aviões).
A explicação sobre a natureza da realidade paralela pode não ter sido uma surpresa(e devo destacar que o vitral da igreja do flash-sideway exibe símbolos sagrados de diferentes religiões), já que era algo que se cogitava desde o início da série, mas ela, juntamente com a cena final da "realidade verdadeira"(que num plano bastante elegante encerrou inverso ao contrário do plano inicial da série), servem apenas para reafirmar que nada acaba em definitivo, todo fim remete a seu início, tudo que acaba traz consigo um novo começo e se o fim da jornada é inevitável e igual para todos, tudo o que nos resta é olhar para as pessoas com quem compartilhamos nossos momentos mais importantes e ver como tudo foi bom, como tudo valeu a pena,(tanto que aqueles que mais agiram por conta própria como Ben ou Ana Lucia "não estavam prontos" para entrar na capela) pois, como dizia Shakespeare: "não há ventura maior que a de lembrar os bons amigos.
P.S: Vejam abaixo os hilários "finais alternativos" exibidos pelo programa humorístico Jimmy Kimmel Live
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