terça-feira, 27 de maio de 2014

Crítica - Divergente

Divergente não é lá um filme muito original. Tem elementos que derivam de praticamente todas as narrativas fantásticas juvenis que apareceram no cinema nas últimas décadas, bem como as convenções de cenários de ficção-científica distópicos. Ainda assim seria possível que essa salada de elementos preexistentes poderia funcionar bem se inserida em um universo interessante e coeso com personagens carismáticos e bem construídos, mas infelizmente isso não acontece.

O filme se passa na cidade de Chicago em um futuro não especificado quando a sociedade passou a ser regida por cinco facções que dividem a funções primordiais para o funcionamento da cidade que passou a ser protegida por um enorme muro. No centro da trama está Beatrice (Shailene Woodley), uma adolescente de dezesseis anos prestes a fazer a escolha definitiva sobre qual facção irá integrar. Seu teste de aptidão revela que ela é uma “divergente”, alguém capaz de assumir o papel de qualquer facção e cuja potencialidade é considerada uma ameaça ao rígido sistema de facções. Assim, ela tenta esconder de todos a verdade sobre si e entra para a facção Audácia (na prática as forças armadas do local) porque...bem, porque parkour é legal e para que trama tenha algumas sequências de  ação, já que não há nenhuma justificativa real para que a garota escolha esta em detrimento de qualquer outra. Claro, é possível que isto esteja melhor resolvido no livro que inspira esta obra, mas o filme deve se sustentar por conta própria e isso não ocorre aqui, já que existem outros vazios além deste.

A trama se desenvolve de maneira bastante previsível, com a protagonista sendo enviada para uma espécie de escola não muito diferente do que já vimos em filmes como Harry Potter ou no recente O Jogo do Exterminador onde aprenderá a ser uma membro da Audácia e fará novos amigos e inimigos. Como acontece na maioria das distopias de ficção-científica, ela inicialmente tentará esconder o fato de ser uma divergente e tentará levar uma vida normal até perceber que é impossível viver em um sistema tão rígido, acabando por integrar um movimento de resistência.

Já vimos tudo isso antes e, para piorar, todo o universo que existe ao redor dessa trama é desprovido de qualquer característica digna de nota. Nunca sabemos o que houve para a sociedade ficasse do jeito que está, porque o sistema vigente existe ou que há além da muralha, parece que os elementos apresentados aqui foram colocados apenas para seguir os clichês e nada mais. A sensação que fica é que o universo foi criado apenas para comportar a história contada aqui e não como um espaço orgânico existe para além da protagonista. Se lembrarmos de filmes como o primeiro Jogos Vorazes (2012), por exemplo, veremos que lá temos uma construção clara de como funciona aquela sociedade e como ela ficou daquele modo sem que precisemos ler o livro ou assistir as continuações. A obra ainda tenta abordar temas como violência contra menores e suicídio, mas eles passam tão rapidamente que não há realmente qualquer construção em torno disso, parecendo mais uma tentativa vazia de chocar.

Esse vazio também se verifica no design de produção já que os ambientes do filme quando não são genéricos e impessoais parecem toscos e saídos de uma produção de baixo orçamento, as armas, por exemplo, parecem feitas de plástico vagabundo.

O filme ainda é prejudicado por cenas de ação pouco inspiradas e demasiadamente burocráticas que raramente conseguem criar uma sensação de tensão e perigo. Isso ocorre, em parte, pelo fato de que muitas delas são apenas os treinamentos dos personagens, nas quais sabemos que a protagonista não sofrerá nada grave, mas mesmo durante o clímax do filme tudo segue sem empolgação. Os tiroteios durante o terço final são estáticos e pouco empolgantes e o mesmo pode ser dito das lutas, que falham em envolver.

A jovem Shailene Woodley até se esforça para conferir um pouco de carisma à Beatrice, mas seu talento é sabotado por um roteiro superficial e por diálogos que por vezes descambam para o humor involuntário como a cena próxima ao fim em que ela tenta se proteger dos tiros dos inimigos e grita “Parem!” ao ver que sua mãe foi baleada, como se os antagonistas fossem simplesmente parar e dar um tempo para que ela pudesse verificar o bem estar da aliada. O mesmo pode ser dito da veterana Kate Winslet que até consegue conferir uma aura fria e ameaçadora à sua Jeanine, mas não tem muito com que conseguir fazer a personagem ir além do clichê da vilã fascista genérica.

Divergente não é exatamente um filme ruim, mas é apenas uma reprodução vazia, sem graça e esquemática de tudo que já vimos na ficção adolescente dos últimos anos. Os fãs do livro certamente conseguirão apreciar, mas os não iniciados tem pouco o que aproveitar aqui.


Nota: 5/10

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