terça-feira, 27 de maio de 2014

Crítica - Entre Nós


Todas as famílias felizes são iguais, mas as infelizes o são cada uma a sua maneira. É com essa frase que o romancista russo Tolstoi começa o livro Anna Karenina, mas ela se adequaria muito bem neste Entre Nós. Não apenas pelo filme nos apresentar um grupo de personagens envolvidos com literatura, mas como todos eles, depois de anos separados por uma tragédia, encontram-se, cada um ao seu modo, irremediavelmente infelizes, cheios de culpa, amargura e arrependimento.

A trama acompanha os seis amigos Felipe (Caio Blat), Lucia (Carolina Dieckmann), Silvana (Maria Ribeiro), Gus (Paulo Vilhena), Drica (Martha Nowill), Cazé (Júlio Andrade) e Rafa (Lee Taylor), todos com envolvidos com literatura e viajam juntos para uma afastada casa de campo. Durante a viagem os jovens decidem escrever cartas para si próprios e as enterram para lê-las depois de dez anos. O fim da viagem é marcado pela morte de Rafa e o grupo só volta a se reencontrar dez anos depois, na mesma casa de campo, para reler as tais cartas. A reunião vai aos poucos mostrando que eles não possuem mais a calorosa amizade de outrora, mas que os dez anos de afastamento produziram marcas profundas em cada um deles.

Como se trata de um filme que se passa inteiramente ao redor de seis pessoas em um local isolado, toda a obra dependeria em grande parte de seu elenco para poder funcionar e ainda bem que os seis protagonistas estão a altura. Além de talentosos individualmente, apresentando composições bem cuidadosas de seus personagens que muitas vezes nos dizem muito apenas com seu tom de voz ou linguagem corporal, os atores também funcionam bem em conjunto, retratando com naturalidade e verossimilhança a dinâmica do grupo. O trabalho do elenco nos faz realmente crer na amizade que existe entre essas pessoas e o consequente estranhamento e alheamento que se instaura dez anos depois. Logicamente, o filme não é apenas uma jornada pela tristeza desses personagens e temos também alguns momentos cheios de humor e ternura que nos lembram que todos eles já foram mais próximos e mais felizes. A trilha sonora é outro ponto forte, construindo bem o clima de atrito, melancolia e desencanto que existe entre o grupo.

A fotografia também contribui para demonstrar a mudança na relação entre eles. Inicialmente investindo em planos fechados e enquadramentos na contraluz que conferem uma atmosfera próxima e cálida entre os personagens, denotando a amizade deles, posteriormente o filme passa a apresentar uma paleta de cores frias e pouco saturadas, bem como vários planos abertos nas cenas noturnas em ambientes repletos de sombras, demonstrando a solidão e o alheamento que experimentam mesmo estando juntos. O filme ainda investe em várias tomadas com as imagens dos personagens parcialmente refletidas em superfícies espelhadas, algo que normalmente está atrelado à ideia de instabilidade ou fragmentação da personalidade daqueles refletidos.

Temos também os planos detalhe das folhas que caem no chão e os troncos de árvore descascando, imagens que revelam a decadência e erosão provocada pelo tempo, da mesma forma como os personagens também se mostram versões desgastadas e erodidas de seus “eu” do passado. A relação imagética se completa com a abertura da caixa com as cartas, mostrando os papéis velhos cheios de mofo, terra e vermes, como se aquelas ideias e sentimentos ali redigidas também tivessem sido devoradas pelo tempo. Isso ainda é reforçado pelo fato de que as únicas cartas que não foram destruídas são aquelas que refletem sentimentos que os personagens ainda sentem.

Outro signo importante é a repetição do besouro virado ao contrário, que resume bem a situação vivida por todos, presos a suas próprias tristezas e problemas, incapazes de “se virarem” (literal e metaforicamente) por conta própria dessa situação e também sem ajudar o outro a sair de sua infelicidade, afinal como mostra a bela imagem que encerra o filme, muitas vezes aquilo que o besouro precisa para reverter sua situação é uma mão disposta a ajudar.


Entre Nós é um belo e inteligente drama sobre a implacabilidade da vida e do tempo e como ela nos coloca em rumos que muitas não esperamos ou não queremos, mas não fazemos nada para evitar e quando nos damos conta tempo demais se passou e não há como voltar.


Nota: 8/10

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