quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Crítica - Lucy





O diretor e roteirista Luc Besson é famoso pelos seus filmes de ação intensa estrelados por personagens femininas fortes e marcantes como a versão original de La Femme Nikita (1990) e O Quinto Elemento (1997). Este Lucy seria seu retorno a este universo que o consagrou, mas infelizmente fica aquém do esperado.

A história é centrada em Lucy (Scarlett Johansson), uma jovem aspirante a atriz que vive em Taiwan que se envolve por acidente com mafiosos locais e é obrigada pelo cruel Sr. Jang (Choi Min-Sik) a transportar um pacote de drogas em seu corpo. Quando o pacote arrebenta e a substância vaza em seu corpo, Lucy descobre que ela a tornou mais inteligente e ampliou seu potencial mental. A jovem então busca a ajuda do cientista Norman (Morgan Freeman) para que entender o que deve fazer com toda a sua habilidade antes que ela perca o controle sobre seus recém-adquiridos poderes.

Primeiramente devo dizer que o filme comete um enorme erro ao levar a sério uma premissa tão absurda e esdrúxula. A ideia de que usamos apenas dez por cento do cérebro e todo resto é uma massa inútil de propriedades desconhecidas é uma inverdade cientifica e mesmo ignorando isso, a possibilidade de usar todo o poder do cérebro de uma só vez dificilmente tornaria alguém um semideus onipotente e onisciente.

O problema é menos essa premissa em si e mais o fato de que o filma trata tudo isso de maneira excessivamente solene, tentando usar a situação para produzir algum tipo de reflexão científico-filosófica sobre o potencial humano que soa como algo saído de um livro ruim de autoajuda. Se o filme abraçasse esse absurdo e exagero como uma fantasia de poder e escapismo, sem essa abordagem séria, todo o exagero seria aceitável, mas do jeito que nos é apresentado, fica difícil de engolir. O roteiro levanta questões sobre o propósito da natureza humana, o impacto de suas ações e sob qual medida nossa existência deve ser medida de maneira pretensiosa e tola, já que obviamente será incapaz de fornecer qualquer resposta ou fechamento para perguntas que ocupam cientistas, filósofos e artistas desde a aurora da humanidade.

Parece que Besson (que escreveu e dirigiu o filme) acreditou ter a mesma capacidade mental de sua protagonista e se julgou hábil a resolver indagações que todo o pensamento combinado de toda a raça humana durante toda a sua existência não conseguiu. Além disso, sequer parece perceber que há pouco de original em suas ideias, que já foram abordadas em filmes como Akira (1988), Poder Sem Limites (2012), Sem Limites (2011), O Passageiro do Futuro (1992) e o recente (e igualmente equivocado e pretensioso) Transcendence: A Revolução. Inclusive o desfecho é muitíssimo parecido com estes dois últimos e assim, além de raso, tudo acaba soando incomodamente genérico e derivativo.

Se o roteiro tem muitas falhas, a obra balanceia isso com um enorme acerto ao colocar Johansson no papel principal. A atriz simplesmente carrega o filme nas costas com sua construção cuidadosa de Lucy, uma personagem que começa como alguém frágil e insegura e conforme desenvolve novas habilidades vai se tornando mais confiante. É interessante perceber que conforme seus poderes aumentam, ela vai se distanciando das pessoas, adotando um tom de voz rígido, desprovido de emoções e um olhar distante que parece estar sempre observando algo além. Além disso é difícil não se envolver nos momentos em que ela se dá conta de que está perdendo a humanidade e tenta se reconectar, como a tocante cena em que ela liga para a mãe e lhe agradece por todas as boas experiências.

O vilão interpretado por Choi Min-Sik (o protagonista da versão original de Oldboy), apesar de seu pouco tempo de tela, consegue ser uma presença verdadeiramente ameaçadora, embora vá perdendo força conforme o filme avança e percebemos que a protagonista vai se tornando virtualmente invencível.

Por outro lado, Morgan Freeman fica preso a um papel meramente explicativo, algo que tem se tornado um lugar comum para o ator ultimamente, e recebe a ingrata tarefa de incorporar toda a empáfia pseudo-intelectual do filme. A culpa é mais do texto que do ator, claro, mas ainda assim é uma figura enfadonha, cujas palestras servem mais para quebrar o ritmo do filme com explanações redundantes (afinal a protagonista está vivenciando exatamente aquilo que ele narra) do que para acrescentar alguma informação. Além disso é também uma figura completamente inverossímil, afinal no competitivo e cruel universo acadêmico é praticamente impossível que alguém sustentasse uma carreira de vinte anos como pesquisador defendendo ideias meramente hipotéticas (o próprio personagem admite isso) sem qualquer fiapo de evidência empírica verificável.

Se a ideologia do filme não funciona, pelo menos ele nos brinda com boas cenas de ação e momentos de tensão e suspense que revelam que Luc Besson continua com um timing e um apuro visual afiados.  O primeiro encontro entre Lucy e Jang é incrivelmente tenso. As cenas de ação posteriores exploram bem o potencial das habilidades de Lucy conforme ela despacha seus inimigos de maneira precisa e implacável e a direção de Besson confere uma beleza plástica a esses momentos que os tornam belos e sanguinolentos espetáculos.

Uma pena, portanto, que Lucy se leve tão a sério e se julgue tão mais inteligente do que realmente é, já que o senso de espetáculo de Besson e o carisma e competência de Johansson poderiam criar um filme da ação interessante, mas do jeito que está é apenas uma diversão esquecível.

Nota: 6/10


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