quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Crítica - Anjos da Lei 2



O primeiro Anjos da Lei (2012) foi uma grata surpresa com seu humor abestalhado e autoconsciente. Claro, o tom de comédia rasgada é diferente da série original que se levava mais a sério, mas funcionava e permitia que o filme se sustentasse por seus próprios méritos ao invés de viver à sombra do material original como uma mera reprodução sem brilho da série em que se baseia. Ainda assim, havia um certo temor por esta sequência que poderia não ter a mesma energia e falta de noção do primeiro. Ainda bem que este não é o caso e Anjos da Lei 2 é tão imbecil e divertido quanto o primeiro.

A trama coloca os policiais Jenko (Channing Tatum) e Schmidt (Jonah Hill) em mais uma operação infiltrados para tentar prender traficantes de drogas e impedir que mais uma nova droga sintética se espalhe, mas desta vez não será numa escola, mas em uma faculdade. No ambiente de festas e farra da universidade, Jenko acaba tendo mais facilidade de fazer amizades, enquanto que Schmidt é deixado de lado, colocando a amizade dos dois em xeque mais uma vez.

Sim, é praticamente a mesma premissa do primeiro e o filme trata isso com a mesma irreverência autoconsciente que o filme anterior tratava o fato de ser um remake. O discurso do chefe de polícia Hardy (Nick Offerman) deixa claro que o filme compreende perfeitamente sua natureza enquanto propriedade corporativa que será reproduzida até a exaustão enquanto continuar a dar dinheiro. Vemos isso também quando Jenko e Schmidt chegam na igreja que serve de base para eles e percebem que mudaram para o outro lado da rua, do número 21 (do título original 21 Jump Street) para uma outra igreja no número 22 e percebem que outra igreja está sendo construída no número 23.

A dinâmica entre os dois protagonistas continua afiada e com uma química bastante natural, mas o principal mérito de Tatum e Hill é conseguir transformar esses dois indivíduos incrivelmente imbecis em figuras adoráveis e carismáticas. Há uma ingenuidade infantil nos dois, em como veem as coisas ao seu redor e no modo como tratam a própria amizade como no modo absurdo como discutem a relação depois de um trote na faculdade. Destaque também para o trabalho de Ice Cube como o capitão Dickson, que com sua cara enfezada consegue fazer rir sem precisar abrir a boca.

Os exageros do personagem provavelmente podem ser considerados exageradamente caricatos e excessivos por muitos, mas essa é claramente a intenção do ator e dos realizadores já que o personagem está ali para parodiar a tradicional figura do oficial superior mau humorado que é um clichê de filmes de ação e é bem coerente com todo o humor autorreferencial e as brincadeiras com convenções do cinema de ação que o filme faz.

Outra coisa interessante é como o roteiro faz piada com certos preconceitos, mas diferente de gente como Adam Sandler (e certos comediantes brasileiros), o texto expõe ao ridículo o preconceito em si ao invés daquele que o sofre, um exemplo é a cena em que Jenko questiona um mafioso por tê-lo chamado de “veado” ou quando ele desajeitadamente se desculpa a Schmidt pelas ofensas que lhe fez na época do colégio.

Os diretores Phil Lord e Chris Miller continuam a exibir a mesma energia e timing do filme anterior (e também do primeiro Tá Chovendo Hambúrguer e Uma Aventura Lego) e sabem criar situações bem inusitadas como a absurda luta no meio de uma rave ou a delirante sequencia com Jenko e Schmidt viajando em drogas. Além disso são competentes em usar diferentes recursos para produzir efeitos cômicos, como a montagem usada quando a dupla escala uma casa, alternando o ágil parkour de Jenko com a lenta subida de Schmidt em uma corda.

Vemos isso também na cena em que Schmidt acorda na cama ao lado de Maya (Amber Stevens) e os dois são mostrados em close, falando em detalhes sobre a transa que acabaram de ter e a subitamente o enquadramento abre, revelando a colega de quarto de Maya sentada do outro lado do recinto, dizendo que estava ali o tempo todo que eles transavam. Até mesmo os créditos finais são criativos e bem divertidos, ao brincarem com as diversas possibilidades de se continuar explorando e expandindo o universo de Anjos da Lei no cinema e em outras mídias.

Anjos da Lei 2 é uma comédia divertidíssima que abraça sem medo sua própria estupidez com um humor ágil e abobalhado que sacaneia a imbecilidade da própria indústria do entretenimento e os lugares-comuns dos blockbusters hollywoodianos.


Nota: 8/10

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