É fácil entender o fascínio que
os contos de fada exercem. Por trás de sua fachada fantástica e escapista
encontramos abordagens para temas universais como o preconceito em relação ao
que é diferente ou a ganância que há no coração do ser humano. Assim sendo, não
é surpresa que esta história esteja recebendo uma nova versão pelas mãos do
diretor francês Christophe Gans.
A trama se aproxima bastante do
clássico conto de fadas francês. Na história Bela (Lea Seydux) é a filha caçula
de rico mercador, mas quando sua família fica endividada são obrigados a morar
em uma pequena casa de campo. Um dia seu pai se perde e encontra por acaso um
opulento castelo. Lá ele se alimenta e se abriga do frio, na saída decide pegar
uma rosa do jardim para levar para sua filha mais nova. Entretanto é
surpreendido pela Fera (Vincent Cassel), o bestial dono do castelo. A criatura
lhe diz que as rosas são aquilo que tem de mais precioso e que precisará de sua
vida em troca da flor que roubara. Ao saber da situação do pai, Bela se oferece
para ficar no castelo em seu lugar, assim passará a viver sob as regras da
criatura enquanto tenta entender o mistério que rodeia a Fera e seus motivos
para mantê-la lá.
O filme acerta na construção
cuidadosa de sua protagonista, apresentando calmamente a situação inicial da
família de Bela e sua relação com a família, ajudando a compreender os motivos
que a levam a tomar o lugar do pai, deixando claro que ela já não tinha uma boa
relação com as irmãs, que a invejavam, e se culpava pela morte da mãe. A
relação entre ela e a Fera também é explorada com competência, principalmente
por não tornar Bela uma figura passiva, cujo envolvimento com a criatura seria
fruto meramente de uma inevitável Síndrome de Estocolmo. Ao invés disso, Bela
se impõe perante o seu anfitrião, ditando o modo como ele deve se aproximar
dela, a relação entre eles, portanto, se desenvolve de modo mais orgânico e
dinâmico, com uma constante troca entre os dois ao contrário de parecer uma
mera necessidade do roteiro. Nesse sentido, a personagem se beneficia pelo
trabalho de Seydux, que consegue enfrentar a Fera, mas deixa claro que está se
segurando para não demonstrar medo diante dela.
Há também o cuidado na construção
temática da, digamos, moral da história. Se em outras releituras (como a famosa
animação da Disney) tudo girava em torno de ver para além das aparências (um
tema que se mantêm aqui), neste filme a origem da maldição da Fera tem também
um pouco a ver com cobiça e ganância. Afinal ele era um príncipe que tinha
tudo, um castelo, amigos e uma bela esposa, mas seu desejo em obter a pele de
um belo animal da floresta, mesmo contra o conselho de sua amada, o leva à
ruína. O peso dessa ganância desmedida também irá recair sobre a família de Bela,
em especial sobre seus irmãos, que contraem dívidas com o perigoso Perducas
(Eduardo Noriega) e veem nas riquezas do castelo da Fera um modo de pagar a
dívida. Obviamente a ganância do bandido também lhe trará severas
consequências.
O design de produção é bastante competente, transitando entre as
localidades mais realistas da mansão inicial da família de Bela, passando por
sua humilde casa de campo e se expandindo em direção ao fantástico a partir do
momento em que entramos pela primeira vez no castelo da Fera. O castelo e as
paisagens ao seu redor exibem bem a atmosfera igualmente mágica e macabra que
se esperaria deles, algo beneficiado pelos bons efeitos especiais. Já que falei
em efeitos, eles também constroem uma Fera bastante crível, utilizando tanto
efeitos práticos e maquiagem, quanto efeitos de computação gráfica. Claro que
nada disso adiantaria sem a presença e voz de Vincent Cassel, que trabalha seu
personagem como alguém assustador, mas que esconde uma profunda mágoa sob sua
fachada hostil e severa.
Já que falei da atmosfera
macabra, devo dizer que o filme realmente investe nessa atmosfera mais sombria
(tal como era o conto original) e existem realmente alguns momentos de bastante
e suspense e outros com sustos genuínos que poderiam até afastar o público mais
infantil. Felizmente o diretor Christophe Gans reconhece isso e sempre que as
coisas ficam sombrias demais o filme retorna para a mãe que está lendo a
história para seus filhos, colocando-a para conversar com eles sobre o que
acabou de ocorrer e assim diminuindo o impacto dos momentos mais pesados de
modo a tornar o filme mais palatável para os pequenos.
Este A Bela e a Fera é uma competente nova versão do clássico conto de
fadas, que acerta em equilibrar seu tom fantástico com uma abordagem mais
sombria, sendo beneficiado ainda por uma boa construção de personagem.
Nota: 7/10
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