Parte do projeto Cities of Love e filme-irmão de Paris, Te Amo (2006) e Nova York, Eu Te Amo (2008), este Rio, Eu Te Amo, possui o mesmo formato
que os outros filmes-cidade. É basicamente uma coletânea de histórias curtas
sobre a cidade e as pessoas que nela vivem. Entrei na sala de cinema empolgado
e relativamente esperançoso, já que gosto muito de Paris, Te Amo (não vi Nova York) e esta contraparte carioca poderia
render algo muito interessante. Foi triste, portanto, constatar que o filme se
revele um produto tão problemático e raso.
O primeiro problema talvez seja a
tentativa de juntar todas as histórias sob um arco maior, o da professora de
inglês (Cláudia Abreu) e o taxista (Michel Melamed), que serve para interligar os
demais ao invés de apresentar cada segmento como uma história isolada com
começo meio e fim. Colocar os personagens de diferentes segmentos para se
encontrarem normalmente exige um número enorme de coincidências e encontros
fortuitos e é preciso uma certa dose de boa vontade para comprar esses
encontros. Mas esta é uma questão secundária, já que o principal problema é que
essas interações não servem para nada, não avançam ou aprofundam nenhuma das
histórias ou personagens, sendo uma ginástica narrativa inútil. Quando o filme
chega ao final, ficamos a sensação que todos esses encontros, bem como essa
narrativa envolvendo o reencontro da professora e o taxista, são tão
superficiais que poderiam ter sido suprimidos.
Além disso, coloca sob um mesmo
“teto” ou “universo” narrativas com abordagens e regime bastante conflitantes,
fazendo passagens bruscas entre, por exemplo, a história do boxeador amputado
que é bastante séria, dramática e realista, para a fantástica e cômica história
do vampiro interpretado por Tonico Pereira. Se fossem apresentados
separadamente não haveria problema, pois seriam coisas isoladas, mas ao se
encontrarem, tudo perde parte do sentido.
Boa parte das histórias trazem
situações simplórias, que mal conseguem se desenvolver antes de serem
rapidamente solucionadas, não há tensão dramática ou construção de personagem,
apenas pequenas narrativas que parecem ter pressa de chegar ao fim ou que se
arrastam longamente sem trabalhar seus personagens, anseios e problemas, como a
história do casal de bailarinos (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer) ou aquela
envolvendo um motorista (Marcelo Serrado) e um ator australiano (Ryan Kwanten).
Antes que digam que a culpa reside no curto formato, lembro que projetos
semelhantes como Paris, Te Amo ou 11 de Setembro (2002) traziam várias
histórias curtas com narrativas muito bem construídas e repletas de camadas.
Mesmo a cidade em si é apenas mostrada por aqueles pontos já tradicionalmente
conhecidos, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, os arcos da Lapa, pouco se
esforçando para sair dos (nesse caso literais) lugares-comuns que caracterizam
a cidade.
Algumas histórias ainda tentam
arriscar algum tipo de comentário social e, em geral, os resultados são
raramente satisfatórios. O segmento envolvendo Wagner Moura voando de asa delta
e xingando a estátua do Cristo Redentor pelos problemas do Rio é simplesmente
sofrível pelo modo leviano com que trata essas questões. Claro, o Rio de
Janeiro tem sim muitos problemas, não estou negando. Entretanto, simplesmente berrar
que a cidade tem problemas de criminalidade, saúde e educação como se isso
interditasse a realização de outras coisas ou que não se pudesse aproveitar a cidade por causa de seus problemas, não representa
nenhum tipo de engajamento ou denúncia legítima, é apenas uma repetição vazia e
preguiçosa de um senso comum bastante difundido e conhecido. Não há reflexão,
crítica ou desenvolvimento sobre os problemas da cidade.
Vemos apenas uma vociferação
sensacionalista tola que reflete o “complexo de vira-lata” de certos setores da
sociedade brasileira, que acham que o Brasil possui tudo que há de errado e que
tudo que vem de fora é melhor do que há aqui (já que o personagem encerra seu
boçal chilique de adolescente revoltado dizendo que irá embora e desejando
sorte com as Olimpíadas).
Há problemas também no segmento
que traz Fernanda Montenegro como uma moradora de rua cujo neto (Eduardo
Sterblich) tenta levá-la de volta para casa. Na história, a senhora afirma que
mora na rua por apreciar a beleza do Rio de Janeiro, por adorar os ambientes e
ruas da cidade e tudo termina com os dois felizes tomando banho de cachoeira,
dando a entender que o neto aceita os argumentos e ponto de vista da avó, como
se não houvesse problema em sua condição. Obviamente não estou dizendo que um
morador de rua não pode apreciar as belezas de uma cidade, claro que pode, mas
isso não é uma justificativa aceitável para que se permita que uma idosa more
na rua ou que este conhecimento maior da cidade seja enaltecido como virtude
frente às condições pouco saudáveis sob as quais ela vive para obter este
“privilégio”. A ideia do sem-teto como alguém que aproveita e conhece a cidade
melhor do que ninguém é um romantismo ingênuo e perigoso, que muitas vezes
serve de argumento para que fechemos os olhos e ignoremos um problema social
sério, real e tacanho.
O segmento envolvendo Harvey
Keitel e um garoto também cai neste mesmo erro de romantizar a vida do
habitante de rua. Quando o garoto conta que não tem mãe ou pai e que apanha do
irmão, o olhar comovido do ator estrangeiro e sua disposição de bancar a
fantasia do garoto em falar com Jesus nos faz crer que ele o ajudará de algum
modo, que o adotará ou encontrará um lar adotivo para ele. Entretanto, toda a
ajuda se resume em dar uma bola autografada pelo Pelé ao garoto. Não que isso
em si seja um problema, ele deu um pouco de alegria ao garoto, mas apresentar
isso como uma espécie de “final feliz” é forçar a barra.
Apenas dois segmentos são
realmente dignos de nota. O primeiro é o do escultor de areia (Vincent Cassel)
que traz um interessante jogo de música e montagem ao mesclar os passos das
pessoas que andam no calçadão com instrumentos musicais, formando uma
verdadeira sinfonia de passos e pessoas no espaço urbano. A outra é a história
estrelada (e dirigida) por John Turturro que traz uma divertida performance
musical com a atriz francesa Vanessa Paradis.
Ainda assim, esses segmentos são
muito pouco para evitar que Rio, Eu Te
Amo se revele uma coletânea rasteira, bagunçada e equivocada de histórias
que não chegam perto de fazer justiça às qualidades (e também aos problemas,
como tentaram abordar) do Rio de Janeiro.
Nota: 3/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário