quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Crítica - Rio, Eu Te Amo



Parte do projeto Cities of Love e filme-irmão de Paris, Te Amo (2006) e Nova York, Eu Te Amo (2008), este Rio, Eu Te Amo, possui o mesmo formato que os outros filmes-cidade. É basicamente uma coletânea de histórias curtas sobre a cidade e as pessoas que nela vivem. Entrei na sala de cinema empolgado e relativamente esperançoso, já que gosto muito de Paris, Te Amo (não vi Nova York) e esta contraparte carioca poderia render algo muito interessante. Foi triste, portanto, constatar que o filme se revele um produto tão problemático e raso.

O primeiro problema talvez seja a tentativa de juntar todas as histórias sob um arco maior, o da professora de inglês (Cláudia Abreu) e o taxista (Michel Melamed), que serve para interligar os demais ao invés de apresentar cada segmento como uma história isolada com começo meio e fim. Colocar os personagens de diferentes segmentos para se encontrarem normalmente exige um número enorme de coincidências e encontros fortuitos e é preciso uma certa dose de boa vontade para comprar esses encontros. Mas esta é uma questão secundária, já que o principal problema é que essas interações não servem para nada, não avançam ou aprofundam nenhuma das histórias ou personagens, sendo uma ginástica narrativa inútil. Quando o filme chega ao final, ficamos a sensação que todos esses encontros, bem como essa narrativa envolvendo o reencontro da professora e o taxista, são tão superficiais que poderiam ter sido suprimidos.

Além disso, coloca sob um mesmo “teto” ou “universo” narrativas com abordagens e regime bastante conflitantes, fazendo passagens bruscas entre, por exemplo, a história do boxeador amputado que é bastante séria, dramática e realista, para a fantástica e cômica história do vampiro interpretado por Tonico Pereira. Se fossem apresentados separadamente não haveria problema, pois seriam coisas isoladas, mas ao se encontrarem, tudo perde parte do sentido.

Boa parte das histórias trazem situações simplórias, que mal conseguem se desenvolver antes de serem rapidamente solucionadas, não há tensão dramática ou construção de personagem, apenas pequenas narrativas que parecem ter pressa de chegar ao fim ou que se arrastam longamente sem trabalhar seus personagens, anseios e problemas, como a história do casal de bailarinos (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer) ou aquela envolvendo um motorista (Marcelo Serrado) e um ator australiano (Ryan Kwanten). Antes que digam que a culpa reside no curto formato, lembro que projetos semelhantes como Paris, Te Amo ou 11 de Setembro (2002) traziam várias histórias curtas com narrativas muito bem construídas e repletas de camadas. Mesmo a cidade em si é apenas mostrada por aqueles pontos já tradicionalmente conhecidos, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, os arcos da Lapa, pouco se esforçando para sair dos (nesse caso literais) lugares-comuns que caracterizam a cidade.

Algumas histórias ainda tentam arriscar algum tipo de comentário social e, em geral, os resultados são raramente satisfatórios. O segmento envolvendo Wagner Moura voando de asa delta e xingando a estátua do Cristo Redentor pelos problemas do Rio é simplesmente sofrível pelo modo leviano com que trata essas questões. Claro, o Rio de Janeiro tem sim muitos problemas, não estou negando. Entretanto, simplesmente berrar que a cidade tem problemas de criminalidade, saúde e educação como se isso interditasse a realização de outras coisas ou que não se  pudesse aproveitar a cidade por causa de seus problemas, não representa nenhum tipo de engajamento ou denúncia legítima, é apenas uma repetição vazia e preguiçosa de um senso comum bastante difundido e conhecido. Não há reflexão, crítica ou desenvolvimento sobre os problemas da cidade.

Vemos apenas uma vociferação sensacionalista tola que reflete o “complexo de vira-lata” de certos setores da sociedade brasileira, que acham que o Brasil possui tudo que há de errado e que tudo que vem de fora é melhor do que há aqui (já que o personagem encerra seu boçal chilique de adolescente revoltado dizendo que irá embora e desejando sorte com as Olimpíadas).

Há problemas também no segmento que traz Fernanda Montenegro como uma moradora de rua cujo neto (Eduardo Sterblich) tenta levá-la de volta para casa. Na história, a senhora afirma que mora na rua por apreciar a beleza do Rio de Janeiro, por adorar os ambientes e ruas da cidade e tudo termina com os dois felizes tomando banho de cachoeira, dando a entender que o neto aceita os argumentos e ponto de vista da avó, como se não houvesse problema em sua condição. Obviamente não estou dizendo que um morador de rua não pode apreciar as belezas de uma cidade, claro que pode, mas isso não é uma justificativa aceitável para que se permita que uma idosa more na rua ou que este conhecimento maior da cidade seja enaltecido como virtude frente às condições pouco saudáveis sob as quais ela vive para obter este “privilégio”. A ideia do sem-teto como alguém que aproveita e conhece a cidade melhor do que ninguém é um romantismo ingênuo e perigoso, que muitas vezes serve de argumento para que fechemos os olhos e ignoremos um problema social sério, real e tacanho.

O segmento envolvendo Harvey Keitel e um garoto também cai neste mesmo erro de romantizar a vida do habitante de rua. Quando o garoto conta que não tem mãe ou pai e que apanha do irmão, o olhar comovido do ator estrangeiro e sua disposição de bancar a fantasia do garoto em falar com Jesus nos faz crer que ele o ajudará de algum modo, que o adotará ou encontrará um lar adotivo para ele. Entretanto, toda a ajuda se resume em dar uma bola autografada pelo Pelé ao garoto. Não que isso em si seja um problema, ele deu um pouco de alegria ao garoto, mas apresentar isso como uma espécie de “final feliz” é forçar a barra.

Apenas dois segmentos são realmente dignos de nota. O primeiro é o do escultor de areia (Vincent Cassel) que traz um interessante jogo de música e montagem ao mesclar os passos das pessoas que andam no calçadão com instrumentos musicais, formando uma verdadeira sinfonia de passos e pessoas no espaço urbano. A outra é a história estrelada (e dirigida) por John Turturro que traz uma divertida performance musical com a atriz francesa Vanessa Paradis.

Ainda assim, esses segmentos são muito pouco para evitar que Rio, Eu Te Amo se revele uma coletânea rasteira, bagunçada e equivocada de histórias que não chegam perto de fazer justiça às qualidades (e também aos problemas, como tentaram abordar) do Rio de Janeiro.

Nota: 3/10

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