Apesar de todos os mecanismos
estatais e jurídicos para que mantenhamos nossa civilidade em relação uns aos
outros, os seres humanos são animais. Animais capazes de racionalizar suas
ações, é verdade, mas ainda assim animais. Isso implica que também somos
governados pelos mesmos impulsos primitivos presentes em outros animais, que
somos capazes da mesma selvageria e brutalidade que qualquer predador
irracional. É justamente sobre esse lado sombrio do ser humano que irá se
debruçar o argentino Relatos Selvagens.
O filme nos apresenta uma
coletânea de histórias curtas que abordam situações nas quais cidadãos comuns
se engajam em atos de agressividade, violência e vingança, nos mostrando as
cruéis consequências desses atos. Não irei dar muitos detelhes das histórias
para não estragar a experiência, mas curtas nos revelam como cidadãos comuns
são capazes de cometer atrocidades e como facilmente abandonamos nossos
princípios morais e cívicos quando nos sentimos acuados, intimidados ou que
estamos numa situação sem saída.
De cara devo dizer que o filme
não possui o principal defeito desse tipo de coletânea que é a irregularidade
entre os segmentos. Normalmente temos alguns muito bons, outros nem tanto e
alguns ruins, mas aqui todos são muito bem construídos, alguns mais voltados
para o suspense como o da garçonete que resolve envenenar um cliente, outros
praticamente tragicômicos como o da noiva, mas todos eles bastante
interessantes. Embora nenhuma das histórias se toque e se relacione, elas
formam um conjunto coeso, já que, cada uma a seu modo, tratam até onde uma
pessoa é capaz de ir quando se sente acuada ou quando chega no seu limite.
É interessante como todos os
segmentos evitam sempre cair num maniqueísmo simplista construindo personagens
cheios de contradições e defeitos que muitas vezes são simultaneamente vítimas
e algozes, trabalhando relações complexas de forma satisfatória apesar do curto
período de cada história. A obra ainda é competente ao usar a fotografia para
criar identidades visuais próprias para cada segmento. Assim sendo no curta com
os dois homens brigando na estrada temos vários planos abertos, que mostram a
imensidão daquele ambiente e como não há ninguém ao redor, não restando nada
além do confronto entre os dois. Do mesmo modo, o filme nos apresenta salas
ascéticas e sem personalidade no segmento que envolve o engenheiro Simon
(Ricardo Darin) e suas idas e vindas através de labirintos burocráticos bem
kafkianos, dando a impressão de uma máquina estatal impessoal, fria e
opressora.
No fim das contas, Relatos Selvagens é uma bela coletânea
de histórias sobre o lado mais sombrio do ser humano, transitando entre o
suspense, o drama, a tragédia e a comédia sem nunca perder a coerência e a
coesão. Suas histórias são instigantes e muitas vezes com desfechos
surpreendentes e brutais, nos lembrando como somos, em certa medida, animais
tão perigosos e imprevisíveis quanto aqueles desprovidos da nossa
racionalidade.
Nota: 9/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário