quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Crítica - Relatos Selvagens

Análise Relatos Selvagens

Review Relatos SelvagensApesar de todos os mecanismos estatais e jurídicos para que mantenhamos nossa civilidade em relação uns aos outros, os seres humanos são animais. Animais capazes de racionalizar suas ações, é verdade, mas ainda assim animais. Isso implica que também somos governados pelos mesmos impulsos primitivos presentes em outros animais, que somos capazes da mesma selvageria e brutalidade que qualquer predador irracional. É justamente sobre esse lado sombrio do ser humano que irá se debruçar o argentino Relatos Selvagens.

O filme nos apresenta uma coletânea de histórias curtas que abordam situações nas quais cidadãos comuns se engajam em atos de agressividade, violência e vingança, nos mostrando as cruéis consequências desses atos. Não irei dar muitos detelhes das histórias para não estragar a experiência, mas curtas nos revelam como cidadãos comuns são capazes de cometer atrocidades e como facilmente abandonamos nossos princípios morais e cívicos quando nos sentimos acuados, intimidados ou que estamos numa situação sem saída.

De cara devo dizer que o filme não possui o principal defeito desse tipo de coletânea que é a irregularidade entre os segmentos. Normalmente temos alguns muito bons, outros nem tanto e alguns ruins, mas aqui todos são muito bem construídos, alguns mais voltados para o suspense como o da garçonete que resolve envenenar um cliente, outros praticamente tragicômicos como o da noiva, mas todos eles bastante interessantes. Embora nenhuma das histórias se toque e se relacione, elas formam um conjunto coeso, já que, cada uma a seu modo, tratam até onde uma pessoa é capaz de ir quando se sente acuada ou quando chega no seu limite.

É interessante como todos os segmentos evitam sempre cair num maniqueísmo simplista construindo personagens cheios de contradições e defeitos que muitas vezes são simultaneamente vítimas e algozes, trabalhando relações complexas de forma satisfatória apesar do curto período de cada história. A obra ainda é competente ao usar a fotografia para criar identidades visuais próprias para cada segmento. Assim sendo no curta com os dois homens brigando na estrada temos vários planos abertos, que mostram a imensidão daquele ambiente e como não há ninguém ao redor, não restando nada além do confronto entre os dois. Do mesmo modo, o filme nos apresenta salas ascéticas e sem personalidade no segmento que envolve o engenheiro Simon (Ricardo Darin) e suas idas e vindas através de labirintos burocráticos bem kafkianos, dando a impressão de uma máquina estatal impessoal, fria e opressora.

No fim das contas, Relatos Selvagens é uma bela coletânea de histórias sobre o lado mais sombrio do ser humano, transitando entre o suspense, o drama, a tragédia e a comédia sem nunca perder a coerência e a coesão. Suas histórias são instigantes e muitas vezes com desfechos surpreendentes e brutais, nos lembrando como somos, em certa medida, animais tão perigosos e imprevisíveis quanto aqueles desprovidos da nossa racionalidade.


Nota: 9/10

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