quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Crítica - Depois da Chuva


O cinema brasileiro já realizou vários filmes sobre o período da nossa ditadura militar, mas poucos deles abordaram o período da redemocratização pós-ditadura e os desafios que se impunham a um país que precisava rever seus processos políticos e redefinir seu projeto de nação. É justamente neste cenário de tensões e incertezas que o longa baiano Depois da Chuva irá se situar.

A trama acompanha Caio (Pedro Maia) um adolescente que começa a se envolver com política através da tentativa de formar um grêmio em seu colégio, ao mesmo tempo em que se aproxima da colega Fernanda (Sophia Corral).

O principal acerto do filme é conseguir captar muito bem o espírito da época, em como as coisas eram incertas e diferentes propostas e perspectivas ideológicas disputavam espaço e apoio do público para definir os rumos que o país seguiria. Claro, a reconstituição extremamente competente da época retratada, mas isso pouco valeria se o filme não conseguisse nos mergulhar neste universo de modo a compreendermos o que tudo aquilo significava para aqueles personagens.

O fato de termos um protagonista adolescente ajuda a potencializar este sentimento visto que é um período no qual estamos formando nossas personalidades e somos continuamente tomados por dúvidas e inseguranças. Caio parece dividido entre seus ideais anarquistas e o ímpeto em participar da formação do grêmio estudantil de seu colégio.

Nesse percurso, encontra pessoas com diferentes posicionamentos, desde aqueles com ideais mais utópicos aos que vêem na política apenas um meio para adquirir poder, alguns, inclusive, capazes de mudar de lado independente da ideologia apenas para se manterem próximos ao poder. Não há uma resolução simples ou fácil para os problemas que se impõem nesta democracia que tenta se reerguer e o filme reconhece isso nos apresentando um cenário no qual o processo democrático é cheio de problemas, desafios e contradições, mas que, ainda assim é melhor do que a completa ausência de democracia, como era no período da ditadura.

Além de sua formação política, o filme também nos mostra a formação sentimental de Caio. A relação entre ele e Fernanda é construída com bastante cuidado e sutileza, nos mostrando como eles vão descobrindo um ao outro ao mesmo tempo em que descobrem a si mesmos, sendo difícil não se relacionar com a afetuosa dinâmica que se estabelece entre eles.

A jornada do personagem serve claramente como um microcosmo para as tensões e incertezas que estavam em jogo na política nacional, evidenciado pelas cenas de telejornais que contextualizam o que acontecia no país. O filme consegue nos situar nesse momento histórico de modo bastante orgânico, sem jamais soar excessivamente expositivo ou puramente didático. A intenção é muito mais convocar uma reflexão sobre nosso processo de democratização do que efetivamente nos ensinar algo ou nos apresentar uma verdade pronta e mastigada.

Como fica claro pela última fala da mãe de Caio, a obra nos pede que pensemos sobre nosso lugar no país e nosso papel em sua construção para o presente e futuro. A sensação que fica é que apenas estamos começando nossa construção democrática e que certos problemas não serão facilmente solucionados, mas que ainda assim há muito o que ser feito para construir a nação que se deseja.

Depois da Chuva é uma tocante e sensível jornada de amadurecimento que nos apresenta a um decisivo período de nossa história e nos convida a pensar acerca de nossa construção política e democrática.


Nota: 9/10

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