Confesso
que me aproximei com desconfiança deste Grandes
Olhos, já que há pouco mais de uma década o diretor Tim Burton tem
trabalhado no piloto automático e praticamente se transformou em uma paródia
chata de si mesmo (assim como tem acontecido com Johnny Depp). No entanto, o
retorno às biografias parece ter feito bem ao diretor e trouxe uma bem-vinda
mudança de ares a um realizador que estava se deixando dominar por seus
próprios cacoetes estilísticos. Pode não ser tão bom quanto seu outro esforço
biográfico, Ed Wood (1994), ou aquele
que considero seu último grande filme, Peixe
Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003), mas é decididamente um sinal
de que Burton é capaz de se redefinir enquanto artista e tomar de volta as
rédeas de sua carreira.
A
trama acompanha a trajetória da pintora Margaret Keane (Amy Adams) que em 1950
vai para São Francisco depois de deixar o esposo. Lá conhece seu futuro marido,
o também pintor Walter Keane (Christoph Waltz). Quando as pinturas de Margaret
começam a fazer sucesso, seu marido reclama para si a autoria dos quadros e
ela, temendo perder a fonte de renda, decide aceitar a mentira e continua
pintando enquanto seu marido receba o crédito. Com o tempo a mentira começa a
pesar na consciência de Margaret, ao mesmo tempo em que o marido vai se
tornando progressivamente mais agressivo na manutenção de sua farsa.
É
fácil entender o que atraiu Burton para esta história, além da estética
expressionista das crianças de olhos grandes de Keane, também há a questão de
que ela é uma personagem tipicamente "burtoniana". Assim como boa
parte dos protagonistas do diretor, Keane é uma pessoa solitária, que se sente
isolada do resto do mundo e é por ele incompreendida (afinal ninguém sabe que é
ela quem pinta), precisando lutar para ser aceita e reconhecida.
Amy
Adams constrói bem a figura de Keane, como uma mulher determinada, mas
insegura, que se submete a uma situação desconfortável por achar que não tem
escolha, já que nos anos 50 uma mulher separada e com uma filha era mal vista
pela sociedade patriarcal de então. Isso fica claro na cena em que ela se
confessa para um padre e este te diz para acatar as ordens do marido pois
"o homem é quem manda". Em um trabalho sutil, Adams vai aos poucos
nos mostrando o peso dessa decisão sobre a pintura conforme sua resignação vai
se tornando amargura e ela fica cada vez mais isolada dos amigos e da filha para
manter a farsa do marido.
A
fotografia com cores fortes e saturadas ajuda a nos transmitir o olhar que
Keane tem sobre o mundo e traduz em seus quadros, bem como as ocasiões em que
ela se sente desconfortável e vê as pessoas com olhos iguais às de suas
pinturas. Nesse sentido, é uma pena que nem sempre o filme recorra a essas
soluções mais criativas para nos mostrar o olhar da pintora e se limite apenas
a explicar através de diálogo algumas de suas motivações, como no momento em
que ela diz que seu foco nos olhos foi uma temporária surdez. Assim o filme
apenas expõe, sem tentar nos fazer sentir o que essa experiência significou
para ela.
A
obra acerta ao nunca tentar decifrar completamente a arte da pintora como
muitas biografias de artistas fazem trazendo um momento que definirá todas as
suas escolhas enquanto artista. Ao invés disso, dá algumas indicações de porque
Keane vê o mundo dessa forma, mas nunca comete o erro de reduzir seu trabalho a
uma única frase ou instante de inspiração, permitindo que observemos e
julguemos suas pinturas por nós mesmos.
Christoph
Waltz traz sua habitual competência a seu Walter, que começa como um bon vivant carismático e vai se
revelando um sujeito abusivo e raivoso. Essa transição é tratada com bastante
cuidado e o filme vai nos dando pistas de que ele esconde algo sob sua fachada
adorável, assim a mudança nunca soa gratuita ou forçada. Um exemplo ocorre
quando o dono de uma galeria (Jason Schwartzman em uma ponta de luxo) pergunta
como ele consegue continuar pintando cidades francesas se ele não vai lá a anos
ou a vergonha que ele exibe ao admitir que trabalha como corretor imobiliário.
Apesar
dele ser um claro antagonista, a narrativa evita descambar para um maniqueísmo
simplório, reconhecendo que sem o tino comercial de Walter as pinturas de
Margaret certamente não teriam recebido tanta visibilidade e reconhecimento,
mas sem ser condescendente ao ponto de usar isso para suavizar os abusos do
personagem.
A
escolha por usar uma narração em off
com um jornalista (Danny Houston) relatando a história de Margaret se revela um
recurso bastante desnecessário, já que suas intervenções são na maioria das
vezes redundantes e acrescentam pouco ao filme.
Isso,
entretanto, não diminui a eficácia de Grandes
Olhos que nos lembra o quanto o trabalho de Tim Burton pode ser
interessante em um retrato sensível de uma artista que se via presa às
equivocadas normas de sua época.
Nota: 7/10
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