Depois
de chamar a atenção do mundo inteiro com o primeiro Matrix (1999) os Wachowski jamais conseguiram repetir o
feito. As duas continuações foram decepcionantes, o divertido e subestimado Speed Racer (2008) foi ignorado pela
maioria e o insosso A Viagem (2012)
também não conseguiu restaurar a reputação da dupla. Assim chegamos a este O Destino de Júpiter que provavelmente é
o ponto mais baixo dos irmãos desde então.
A
trama acompanha uma jovem que aos poucos descobre uma realidade oculta sob
nosso mundo, na qual os humanos são cultivados por seres poderosos para que
estes mantenham suas vidas e ela é a única que pode parar tudo isso. Pareceu
familiar? Pois é exatamente a trama do primeiro Matrix, apenas substituindo os robôs por alienígenas e a profecia
do escolhido pela reencarnação de uma rainha. Em resumo, os irmãos se
entregaram ao auto-plágio, claramente indicando que não tem mais para onde ir
em termos criativos. Além do próprio trabalho, os Wachowski se baseiam
diretamente em obras como Eram os Deuses
Astronautas, O Guia do Mochileiro das
Galáxias, M.I.B: Homens de Preto
(1997), a seminal ficção-científica Duna
e até mesmo contos de fada.
A
construção de uma bricolagem de referências não é em si um problema, o
principal problema é o modo assoberbado com o qual o filme lida com elas. Em
dados momentos chega até a citar Cinderela ou A Bela e a Fera, mas o faz com um
pedante desdém que ao invés de reconhecer estar tratando de um tipo de história
que transmite preocupações humanas atemporais, expressa um imenso e descabido
complexo de superioridade como se seus diretores tivessem certeza de que estão
um patamar acima daquilo em que se baseiam. Tudo o que fazem é repetir
elementos que já foram utilizados e melhor tratados em uma miríade de outros
produtos, toda o tema do messianismo e de uma elite galática lutando pelo
controle de um escasso e essencial recurso já tinha sido muito bem tratado no
romance Duna (e infelizmente suas
adaptações sempre ficaram aquém do material original), do mesmo modo que o
kafkiano "cartório galático" parece diretamente copiado dos Vogons do
Guia do Mochileiro das Galáxias (cuja
adaptação para cinema também ficou aquém). Assim, o que é feito neste O Destino de Júpiter não agrega nada ao
que já foi dito em qualquer outro produto artístico embora seus criadores ajam
como se tudo que dissessem fosse incrivelmente único e diferenciado.
O
filme vai mastigar sua retórica com uma enorme solenidade e senso de auto-importância,
como se tudo fosse uma enorme novidade e os Wachowski estivessem reinventando a
roda, mas a verdade é que estão apenas repetindo preguiçosamente uma série de
ideias que artistas mais competentes já fizeram antes deles. A cena em que o
vilão Balem (Eddie Redmayne) faz um discurso sobre o capitalismo é tão rasteira
que chega a ser negligência intelectual tratar algo tão complexo de maneira tão
simplória. Não que o sistema capitalista não mereça ser criticado, merece e
muito, mas o argumento aqui apresentado é um senso-comum extremamente
superficial.
Também
leva mais a sério do que deveria a sua filosofia "zen-morfêutica" que
mistura ciência com esoterismo e aquilo que poderia ser um conjunto de boas
sacadas para ancorar o funcionamento de um interessante universo ficcional é
vomitado ao público com uma solenidade dogmática como se fosse uma enorme verdade
universal, conceitos simples como reencarnação são transformados em expressões
pseudo científicas complexas apenas para demonstrar a inteligência de seus criadores. A
verdade é não passam de muitos termos inventados de nome engraçado, mas os
Wachowski agem como se estivessem nos catequizando com uma profunda sabedoria
que irá mudar nossas vidas e percepção de mundo.
Os
personagens são uma coleção de clichês como o "guerreiro solitário estóico
com um trauma do passado" na figura do personagem Caine (Channing Tatum)
ou os nobres que passam o tempo em intermináveis disputas pelo poder. É
difícil acreditar que os mesmos sujeitos que criaram uma protagonista tão complexa
e interessante como a Trinity de Matrix
sejam capazes de criar uma heroína tão passiva e insossa quanto Júpiter (Mila
Kunis) que é basicamente a quintessência da donzela em perigo. Incapaz de
resolver qualquer coisa por conta própria e sempre tomando as piores decisões,
ela precisa ser salva o tempo todo por Caine e por umas quatro vezes o filme
recorre ao expediente de deixar a personagem prestes a morrer ou perder tudo
apenas para seu guardião aparecer do nada no último minuto e salvar o dia. A relação entre ela e Caine parece acontecer
por pura conveniência de roteiro, já que o texto nunca consegue nos fazer
acreditar na construção de um afeto genuíno entre eles. As cenas em que ela
fala de seus sentimentos, como a que Júpiter menciona sua "maldição
genética amorosa", são tão vergonhosas que fazem os diálogos entre Anakin
e Amidala na recente trilogia de Star
Wars parecerem sonetos shakespearianos.
Vergonhosa
também são as tentativas do filme em gerar humor, sendo impressionante que
mesmo atores acostumados e competentes em comédia como Tatum e Kunis sejam
incapazes de fazer funcionar os interlúdios cômicos. Isso apenas denuncia a
qualidade do texto e da direção que consegue até anular o timing e carisma dos atores, afinal piadas sobre sangue e
absorventes menstruais não são exatamente ouro cômico. Aliás, todas as atuações
são rígidas, mecânicas e pouco convincentes, Eddie Redmayne, por exemplo, parece
estar fazendo uma imitação de Voldemort (de Harry Potter) com problemas de
garganta, enquanto Kunis parece possuída pela Kristen Stewart em sua época de Crepúsculo já que se limita a um olhar
vazio e a morder os lábios constantemente. Por sua vez, a caracterização da família russa
de Júpiter é uma caricatura grosseira que beira o puro preconceito.
Se
a história e os personagens não convencem, pelo menos as cenas de ação salvam,
assim como nos dois últimos Matrix,
não é? Não, infelizmente não. As cenas de ação são burocráticas, sem energia ou
encantamento. São também prejudicadas pela direção picotada e os movimentos
incessantes de câmera que muitas vezes não conseguem construir uma sensação de
espacialidade clara em uma simples perseguição. Os efeitos especiais também
prejudicam, já que muitas vezes temos a clara sensação de que apenas vemos
Tatum contracenando com um chroma key
vazio. Por cima de tudo isso ainda temos o 3D que acrescenta uma camada maior
de incômodo, já que muitos embates acontecem à noite ou em cenários escuros, os
óculos 3D escurecem tudo ainda mais e atrapalham mais do que ajudam.
A
música também não ajuda já que ela está o tempo todo tentando forçar a sensação
de que tudo que vemos é incrivelmente épico e grandioso quando as imagens estão
muito longe disso. Chega a impressionar que o ótimo compositor Michael
Giacchino tenha feito um trabalho tão exagerado e equivocado, principalmente se
lembrarmos de seu trabalho nos recentes Star
Trek, nos quais ele consegue realmente criar uma atmosfera de grandiosidade
e escala sem nunca parecer excessivo ou intrusivo.
O
design de produção é a única coisa
que se salva, já que os aparatos, naves e cenários tem visuais realmente
interessantes e criam um universo que poderia sim abrigar boas histórias, uma
pena que não seja este o caso e temos mais de duas horas de pura
masturbação mental enquanto o filme se entrega a uma série de traições e
esquemas entre a realeza espacial, gerando uma série de reviravoltas que servem
apenas para alongar o filme mais do que deveria. Na verdade, a única surpresa
da narrativa é que o personagem interpretado por Sean Bean não encontra o
desfecho habitual reservado aos personagens do ator.
O Destino de Júpiter é um filme tão auto-indulgente e assoberbado que
sequer percebe se tratar de uma bricolagem rasteira de um conjunto de trabalhos
melhores. Não fosse a absoluta certeza que a obra tem em sua superioridade
artística e intelectual, o resultado poderia ser minimamente aproveitável.
Nota:
1/10
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