quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Crítica - O Destino de Júpiter

Análise O Destino de Júpiter


Review O Destino de JúpiterDepois de chamar a atenção do mundo inteiro com o primeiro Matrix (1999) os Wachowski jamais conseguiram repetir o feito. As duas continuações foram decepcionantes, o divertido e subestimado Speed Racer (2008) foi ignorado pela maioria e o insosso A Viagem (2012) também não conseguiu restaurar a reputação da dupla. Assim chegamos a este O Destino de Júpiter que provavelmente é o ponto mais baixo dos irmãos desde então.

A trama acompanha uma jovem que aos poucos descobre uma realidade oculta sob nosso mundo, na qual os humanos são cultivados por seres poderosos para que estes mantenham suas vidas e ela é a única que pode parar tudo isso. Pareceu familiar? Pois é exatamente a trama do primeiro Matrix, apenas substituindo os robôs por alienígenas e a profecia do escolhido pela reencarnação de uma rainha. Em resumo, os irmãos se entregaram ao auto-plágio, claramente indicando que não tem mais para onde ir em termos criativos. Além do próprio trabalho, os Wachowski se baseiam diretamente em obras como Eram os Deuses Astronautas, O Guia do Mochileiro das Galáxias, M.I.B: Homens de Preto (1997), a seminal ficção-científica Duna e até mesmo contos de fada.

A construção de uma bricolagem de referências não é em si um problema, o principal problema é o modo assoberbado com o qual o filme lida com elas. Em dados momentos chega até a citar Cinderela ou A Bela e a Fera, mas o faz com um pedante desdém que ao invés de reconhecer estar tratando de um tipo de história que transmite preocupações humanas atemporais, expressa um imenso e descabido complexo de superioridade como se seus diretores tivessem certeza de que estão um patamar acima daquilo em que se baseiam. Tudo o que fazem é repetir elementos que já foram utilizados e melhor tratados em uma miríade de outros produtos, toda o tema do messianismo e de uma elite galática lutando pelo controle de um escasso e essencial recurso já tinha sido muito bem tratado no romance Duna (e infelizmente suas adaptações sempre ficaram aquém do material original), do mesmo modo que o kafkiano "cartório galático" parece diretamente copiado dos Vogons do Guia do Mochileiro das Galáxias (cuja adaptação para cinema também ficou aquém). Assim, o que é feito neste O Destino de Júpiter não agrega nada ao que já foi dito em qualquer outro produto artístico embora seus criadores ajam como se tudo que dissessem fosse incrivelmente único e diferenciado.

O filme vai mastigar sua retórica com uma enorme solenidade e senso de auto-importância, como se tudo fosse uma enorme novidade e os Wachowski estivessem reinventando a roda, mas a verdade é que estão apenas repetindo preguiçosamente uma série de ideias que artistas mais competentes já fizeram antes deles. A cena em que o vilão Balem (Eddie Redmayne) faz um discurso sobre o capitalismo é tão rasteira que chega a ser negligência intelectual tratar algo tão complexo de maneira tão simplória. Não que o sistema capitalista não mereça ser criticado, merece e muito, mas o argumento aqui apresentado é um senso-comum extremamente superficial.

Também leva mais a sério do que deveria a sua filosofia "zen-morfêutica" que mistura ciência com esoterismo e aquilo que poderia ser um conjunto de boas sacadas para ancorar o funcionamento de um interessante universo ficcional é vomitado ao público com uma solenidade dogmática como se fosse uma enorme verdade universal, conceitos simples como reencarnação são transformados em expressões pseudo científicas complexas apenas para demonstrar a inteligência de seus criadores. A verdade é não passam de muitos termos inventados de nome engraçado, mas os Wachowski agem como se estivessem nos catequizando com uma profunda sabedoria que irá mudar nossas vidas e percepção de mundo.

Os personagens são uma coleção de clichês como o "guerreiro solitário estóico com um trauma do passado" na figura do personagem Caine (Channing Tatum) ou os nobres que passam o tempo em intermináveis disputas pelo poder. É difícil acreditar que os mesmos sujeitos que criaram uma protagonista tão complexa e interessante como a Trinity de Matrix sejam capazes de criar uma heroína tão passiva e insossa quanto Júpiter (Mila Kunis) que é basicamente a quintessência da donzela em perigo. Incapaz de resolver qualquer coisa por conta própria e sempre tomando as piores decisões, ela precisa ser salva o tempo todo por Caine e por umas quatro vezes o filme recorre ao expediente de deixar a personagem prestes a morrer ou perder tudo apenas para seu guardião aparecer do nada no último minuto e salvar o dia.  A relação entre ela e Caine parece acontecer por pura conveniência de roteiro, já que o texto nunca consegue nos fazer acreditar na construção de um afeto genuíno entre eles. As cenas em que ela fala de seus sentimentos, como a que Júpiter menciona sua "maldição genética amorosa", são tão vergonhosas que fazem os diálogos entre Anakin e Amidala na recente trilogia de Star Wars parecerem sonetos shakespearianos.

Vergonhosa também são as tentativas do filme em gerar humor, sendo impressionante que mesmo atores acostumados e competentes em comédia como Tatum e Kunis sejam incapazes de fazer funcionar os interlúdios cômicos. Isso apenas denuncia a qualidade do texto e da direção que consegue até anular o timing e carisma dos atores, afinal piadas sobre sangue e absorventes menstruais não são exatamente ouro cômico. Aliás, todas as atuações são rígidas, mecânicas e pouco convincentes, Eddie Redmayne, por exemplo, parece estar fazendo uma imitação de Voldemort (de Harry Potter) com problemas de garganta, enquanto Kunis parece possuída pela Kristen Stewart em sua época de Crepúsculo já que se limita a um olhar vazio e a morder os lábios constantemente. Por sua vez, a caracterização da família russa de Júpiter é uma caricatura grosseira que beira o puro preconceito.

Se a história e os personagens não convencem, pelo menos as cenas de ação salvam, assim como nos dois últimos Matrix, não é? Não, infelizmente não. As cenas de ação são burocráticas, sem energia ou encantamento. São também prejudicadas pela direção picotada e os movimentos incessantes de câmera que muitas vezes não conseguem construir uma sensação de espacialidade clara em uma simples perseguição. Os efeitos especiais também prejudicam, já que muitas vezes temos a clara sensação de que apenas vemos Tatum contracenando com um chroma key vazio. Por cima de tudo isso ainda temos o 3D que acrescenta uma camada maior de incômodo, já que muitos embates acontecem à noite ou em cenários escuros, os óculos 3D escurecem tudo ainda mais e atrapalham mais do que ajudam.

A música também não ajuda já que ela está o tempo todo tentando forçar a sensação de que tudo que vemos é incrivelmente épico e grandioso quando as imagens estão muito longe disso. Chega a impressionar que o ótimo compositor Michael Giacchino tenha feito um trabalho tão exagerado e equivocado, principalmente se lembrarmos de seu trabalho nos recentes Star Trek, nos quais ele consegue realmente criar uma atmosfera de grandiosidade e escala sem nunca parecer excessivo ou intrusivo.

O design de produção é a única coisa que se salva, já que os aparatos, naves e cenários tem visuais realmente interessantes e criam um universo que poderia sim abrigar boas histórias, uma pena que não seja este o caso e temos mais de duas horas de pura masturbação mental enquanto o filme se entrega a uma série de traições e esquemas entre a realeza espacial, gerando uma série de reviravoltas que servem apenas para alongar o filme mais do que deveria. Na verdade, a única surpresa da narrativa é que o personagem interpretado por Sean Bean não encontra o desfecho habitual reservado aos personagens do ator.

O Destino de Júpiter é um filme tão auto-indulgente e assoberbado que sequer percebe se tratar de uma bricolagem rasteira de um conjunto de trabalhos melhores. Não fosse a absoluta certeza que a obra tem em sua superioridade artística e intelectual, o resultado poderia ser minimamente aproveitável.


Nota: 1/10

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