A
trama acompanha os eventos da marcha por direitos civis que aconteceu na cidade
de Selma, no estado do Alabama, na qual os negros exigiam o reconhecimento de
seu direito ao voto que era negado em boa parte do sul dos Estados Unidos.
O
filme poderia facilmente ser centrado apenas na figura de King (David Oyelowo),
mas amplia seu escopo para nos mostrar também um pouco mais sobre os
manifestantes que marcham ao lado de King, bem como dos sulistas que os atacam.
Há um clima enorme de tensão e urgência e apesar do filme retratar eventos
passados há 50 anos atrás, as questões levantadas soam terrivelmente
contemporâneas. Nesse sentido, o filme nunca economiza nas cenas de violência
perpetradas contra os manifestantes pacíficos dando uma clara dimensão da força
e do perigo da intolerância.
Também
nos mostra como o racismo está cravado na nossa sociedade, a exemplo da
primeira cena entre King e o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), na qual
o presidente trata o ativista, que à época já era uma autoridade no movimento
negro, com uma enorme condescendência como se estivesse lidando com alguém que
considerasse inferior e não com um igual. Esse tratamento também se reflete nos
letreiros que parecem retirados diretamente de arquivos de vigilância do FBI e
na própria presença de J.Edgar Hoover que considera King um subversivo e uma
ameaça potencial simplesmente por reclamar seus direitos.
O
filme também é competente em nos revelar o senso estratégico de King e seu
grupo que entendem muito bem que nenhuma agenda política vai adiante sem apoio
público ou sem argumentos convincentes e sob esse aspecto é uma verdadeira aula
de como organizar um movimento social. Um exemplo é a cena em que King e seus
aliados discutem como levar suas demandas ao presidente e um deles diz "não podemos levar um monte de exigências
genéricas" e aos poucos vão analisando a situação até chegar em uma
argumentação pragmática que os direciona às metas que almejam e a montagem de
seus argumentos irá propiciar uma vitória nos tribunais mais para frente.
Vemos
isso também na cena em que instruem os manifestantes sobre como lidar com a
hostilidade da polícia e da população, bem como o momento em que um dos líderes
repreende um manifestante que chama os companheiros para pegar em armas. Nesse
momento é interessante notar que o sujeito é repreendido não porque ele está
decidindo usar da violência, mas porque os líderes sabem que há mais a perder
do que ganhar caso recorram a isso. Além disso, mostra como é importante ter
suas demandas conhecidas pela parcela da população que não faz parte do seu movimento, contribuindo para
aumentar a visibilidade e a pressão exercida, do mesmo modo, revela também que
os movimentos às vezes precisam parar e se reorganizar em certos momentos, ao
invés de continuar insistindo em determinadas demandas que possam enfraquecer o
movimento.
No
entanto, é o trabalho de David Oyelowo que carrega o filme ao construir Martin
Luther King não apenas como o rosto de uma causa, mas como um homem complexo
que, apesar de sua posição de liderança, também tinha dúvidas, incertezas, medos
e também falhas de caráter. Tudo bem que o filme alivia um pouco a barra do
personagem ao tratar de suas infidelidades conjugais que aparecem muito
rapidamente. Derrapa também ao tratar do seu recuo diante ao aparente sucesso da
marcha na ponte que é mostrado como fruto da revelação divina, quando o próprio King
admite no filme ter tido medo de que fosse uma armadilha para os manifestantes,
dando assim ares messiânicos que nos afastam da humanidade do personagem. Isso,
claro, são erros mais do texto do que da composição de Oyelowo, que convoca
muito bem o carisma e a presença de King, bem como a intensidade de seus
discursos e sua compaixão para com osseguidores.
Competente
também está Tim Roth que confere verossimilhança a um personagem que facilmente
poderia descambar para uma caricatura aborrecida. Na pele de George Wallace, governador
do estado do Alabama, ele é desprezível e dissimulado na medida certa, nos
fazendo crer que este tipo de pessoa pode existir (e certamente existe,
lamentavelmente) sem nunca parecer exagerado demais. Tanto que é justamente sua
conduta detestável que leva Johnson ao lado de King, já que ele se recusa a
entrar para a história ao lado de alguém tão detestável quanto Wallace no
sensacional diálogo "você está
tentando ferrar o seu presidente?".
Por
fim, a obra evita também encerrar com a ideia de que todos os problemas do
racismo acabaram com as vitórias do movimento, ao mostrar o destino de alguns dos manifestantes, incluindo uma
mulher que foi espancada até a morte horas depois do discurso que encerra o
filme. Chega a ser triste constatar que apesar da vitória de King muitas das
condutas por ele combatidas ainda estão presentes em nossa sociedade.
Mais
do que mostrar uma história de luta de movimentos sociais, este Selma: Uma Luta Pela Igualdade nos
lembra que ela ainda não terminou e que ainda há um longo caminho a ser
trilhado.
Nota:
8/10
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