quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Crítica - Selma: Uma Luta pela Igualdade

Análise Selma: Uma Luta pela Igualdade

Review Selma: Uma Luta pela IgualdadePraticamente todos que conhecem a figura de Martin Luther King o fazem pelo seu famoso discurso do "eu tenho um sonho" e pela noção de que ele comandava um movimento não-violento em sua luta por direitos civis e igualdade racial nos Estados Unidos. A verdade é que por causa de sua postura pacífica, a construção que permanece de sua figura parece muitas vezes uma versão demasiadamente "domesticada" criando a falsa impressão de que King era um sujeito que resolvia suas questões sem precisar criar problemas e foi simplesmente abaixando a cabeça para todos esperando que resolvessem suas demandas. No entanto, como o filme inteligentemente mostra, ser não-violento não implica em uma postura não combativa e nos momentos necessários King foi inteligente o bastante para enfrentar e exercer pressão sobre aqueles com autoridade para ter suas demandas atendidas.

A trama acompanha os eventos da marcha por direitos civis que aconteceu na cidade de Selma, no estado do Alabama, na qual os negros exigiam o reconhecimento de seu direito ao voto que era negado em boa parte do sul dos Estados Unidos.

O filme poderia facilmente ser centrado apenas na figura de King (David Oyelowo), mas amplia seu escopo para nos mostrar também um pouco mais sobre os manifestantes que marcham ao lado de King, bem como dos sulistas que os atacam. Há um clima enorme de tensão e urgência e apesar do filme retratar eventos passados há 50 anos atrás, as questões levantadas soam terrivelmente contemporâneas. Nesse sentido, o filme nunca economiza nas cenas de violência perpetradas contra os manifestantes pacíficos dando uma clara dimensão da força e do perigo da intolerância.

Também nos mostra como o racismo está cravado na nossa sociedade, a exemplo da primeira cena entre King e o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), na qual o presidente trata o ativista, que à época já era uma autoridade no movimento negro, com uma enorme condescendência como se estivesse lidando com alguém que considerasse inferior e não com um igual. Esse tratamento também se reflete nos letreiros que parecem retirados diretamente de arquivos de vigilância do FBI e na própria presença de J.Edgar Hoover que considera King um subversivo e uma ameaça potencial simplesmente por reclamar seus direitos.

O filme também é competente em nos revelar o senso estratégico de King e seu grupo que entendem muito bem que nenhuma agenda política vai adiante sem apoio público ou sem argumentos convincentes e sob esse aspecto é uma verdadeira aula de como organizar um movimento social. Um exemplo é a cena em que King e seus aliados discutem como levar suas demandas ao presidente e um deles diz "não podemos levar um monte de exigências genéricas" e aos poucos vão analisando a situação até chegar em uma argumentação pragmática que os direciona às metas que almejam e a montagem de seus argumentos irá propiciar uma vitória nos tribunais mais para frente.

Vemos isso também na cena em que instruem os manifestantes sobre como lidar com a hostilidade da polícia e da população, bem como o momento em que um dos líderes repreende um manifestante que chama os companheiros para pegar em armas. Nesse momento é interessante notar que o sujeito é repreendido não porque ele está decidindo usar da violência, mas porque os líderes sabem que há mais a perder do que ganhar caso recorram a isso. Além disso, mostra como é importante ter suas demandas conhecidas pela parcela da população que não  faz parte do seu movimento, contribuindo para aumentar a visibilidade e a pressão exercida, do mesmo modo, revela também que os movimentos às vezes precisam parar e se reorganizar em certos momentos, ao invés de continuar insistindo em determinadas demandas que possam enfraquecer o movimento.

No entanto, é o trabalho de David Oyelowo que carrega o filme ao construir Martin Luther King não apenas como o rosto de uma causa, mas como um homem complexo que, apesar de sua posição de liderança, também tinha dúvidas, incertezas, medos e também falhas de caráter. Tudo bem que o filme alivia um pouco a barra do personagem ao tratar de suas infidelidades conjugais que aparecem muito rapidamente. Derrapa também ao tratar do seu recuo diante ao aparente sucesso da marcha na ponte que é mostrado como fruto da revelação divina, quando o próprio King admite no filme ter tido medo de que fosse uma armadilha para os manifestantes, dando assim ares messiânicos que nos afastam da humanidade do personagem. Isso, claro, são erros mais do texto do que da composição de Oyelowo, que convoca muito bem o carisma e a presença de King, bem como a intensidade de seus discursos e sua compaixão para com osseguidores.

Competente também está Tim Roth que confere verossimilhança a um personagem que facilmente poderia descambar para uma caricatura aborrecida. Na pele de George Wallace, governador do estado do Alabama, ele é desprezível e dissimulado na medida certa, nos fazendo crer que este tipo de pessoa pode existir (e certamente existe, lamentavelmente) sem nunca parecer exagerado demais. Tanto que é justamente sua conduta detestável que leva Johnson ao lado de King, já que ele se recusa a entrar para a história ao lado de alguém tão detestável quanto Wallace no sensacional diálogo "você está tentando ferrar o seu presidente?".

Por fim, a obra evita também encerrar com a ideia de que todos os problemas do racismo acabaram com as vitórias do movimento, ao mostrar o destino  de alguns dos manifestantes, incluindo uma mulher que foi espancada até a morte horas depois do discurso que encerra o filme. Chega a ser triste constatar que apesar da vitória de King muitas das condutas por ele combatidas ainda estão presentes em nossa sociedade.

Mais do que mostrar uma história de luta de movimentos sociais, este Selma: Uma Luta Pela Igualdade nos lembra que ela ainda não terminou e que ainda há um longo caminho a ser trilhado.

Nota: 8/10

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