quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Crítica - Sniper Americano


Muitos filmes já foram feitos sobre a recente guerra contra o terrorismo dos Estados Unidos, o resultado desses confrontos sobre os soldados que retornam e as intervenções militares em países como Afeganistão e Iraque. Sniper Americano não irá trazer praticamente nada de novo em relação a nada disso, mas pelo menos consegue trazer um retrato impactante do militar Chris Kyle, tido como o mais letal atirador de elite do exército dos Estados Unidos.

A trama acompanha Chris (Bradley Cooper) através de seus quatro turnos de serviço pelo exército que o colocam na mira do perigoso atirador Mustafa (Sammy Sheik). Ao mesmo tempo, Chris precisa lidar com sua dificuldade em se readaptar à vida civil, bem como os problemas com sua esposa (Sienna Miller).

Bradley Cooper faz um bom trabalho ao construir um homem que não consegue abandonar a guerra que viveu até sentir que verdadeiramente cumpriu o seu dever para si, seus companheiros em armas e seu país, também é eficiente ao lhe conferir um enorme carisma e simplicidade, um homem sem grande educação formal, mas que foi educado de maneira dura para não demonstrar fraqueza e cuidar daqueles ao seu redor.

Apesar de tomar decisões moralmente difíceis e acumular um grande número de mortes, vemos que ele não sente nenhum prazer ou emoção no ato de matar, como mostra a cena do garoto com um lança foguetes, mas o faz por achar que isso ajuda a manter seguros os seus companheiros. Quando está fora da guerra, seu olhar é distante, como se nunca tivesse voltado para casa, e ele parece estar sempre atento para qualquer ameaça, como se ainda estivesse em guerra.

A abordagem ao estresse pós-traumático do personagem ou as consequências psicológicas da guerra não são exatamente novidade em Hollywood que já vem tratando disso em filmes como Guerra ao Terror (2008), Nascido Para Matar (1987), Apocalipse Now (1979) e até mesmo Rambo: Programado para Matar (1982). O filme não chega a acrescentar nada de novo a isso, mas, ainda assim, Cooper e o diretor Clint Eastwood conseguem fazer um retrato sincero e impactante de um homem guiado por princípios bastante simples e preto no branco. Do mesmo modo, a preponderância dos momentos de guerra torna o tratamento da sua vida pessoal bastante superficial, os problemas de Chris com a esposa são lidados de maneira bastante pontual e sua reabilitação após a guerra é tratada de modo bastante apressado. O mesmo pode ser dito de sua relação com o irmão mais novo, que o filme revela não ter tido uma experiência muito boa na guerra, mas nunca vemos se isso repercute no atirador.

Outra questão é como o filme parece tomar para si os posicionamentos de Kyle sobre a guerra ao terrorismo, uma vez que, como já disse antes, ele possui um olhar bastante maniqueísta e simplório sobre uma questão que passa longe de ser simples. Eu entendo perfeitamente que a obra precisa trazer a visão de mundo do seu biografado, é evidente, sem isso é praticamente impossível decifrá-lo. Entretanto o filme não precisa aderir de modo ao seu ponto de vista e lamentavelmente é o que faz, mesmo que por omissão, e toda a questão do terrorismo e as intervenções militares são facilmente explicadas como uma "campanha contra o mal", sendo que qualquer pessoa sensata sabe que a questão tem muitos tons de cinza, não sendo apenas preto e branco.

Toda vez que alguém tenta questionar os ideais defendidos por Chris é imediatamente calado com frases genéricas como "eles são selvagens" ou "o mal está aqui" e o filme dá a questão por encerrada, como se não apenas o protagonista, mas a obra em si apresentasse essa visão ultra ufanista de que tudo que os Estados Unidos fazem é para o bem comum e nome da segurança nacional. Um olhar sobre o oponente de Kyle ajudaria a oferecer outros pontos de vista, trazendo um bem-vindo choque de ideias, mas o filme prefere deixá-lo apenas como um vilão genérico.  Em tempos de tensões elevadas pintar um quadro generalista no qual todos os islâmicos são terroristas em potencial e movidos apenas pela maldade de seus corações não é apenas preconceituoso, mas incrivelmente irresponsável já que apenas contribui para o aumento do ódio e intolerância ao invés do entendimento.

Isso se torna particularmente problemático quando ele lê postumamente uma carta de um companheiro recém falecido na qual ele questiona os rumos que a guerra do Iraque tomaram e Chris afirma que ele morreu porque deixou de acreditar, como se a atitude do companheiro em questionar a ocupação militar o tornasse mais fraco, menos patriota ou anti-americano (e merecedor da morte) e o fato do filme deixar esse tipo de fala passar sem oferecer um contraponto parece referendar um ponto de vista que é bastante reacionário.

O filme, no entanto, acerta bastante nas cenas de guerra, ao criar um clima de tensão e ameaça constante que realmente nos coloca na pele destes soldados enquanto eles avançam por um território hostil no qual o inimigo pode surgir de qualquer lugar. Eastwood não economiza no sangue e nas representações gráficas das consequências da guerra, mostrando o peso que reside sobre os ombros de Chris Kyle, a responsabilidade das escolhas que o personagem faz e a dureza que é ver seus companheiros em armas serem brutalmente abatidos. Esse peso fica claro na cena em que ele é abordado por outro soldado e este lhe agradece por salvar sua vida.

Assim sendo, apesar de não oferecer nenhum novo olhar sobre as dificuldades da vida de soldado e derrapar na sua construção ideológica sobre o papel dos Estados Unidos na chamada guerra ao terrorismo, o filme apresenta um intenso e impactante retrato de seu biografado.

Nota: 6/10

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