Baseado
em fatos reais, acompanhamos Maziar Bahari (Gael Garcia Bernal), jornalista
iraniano radicado em Londres que vai ao Irã em 2009 para cobrir as eleições
para a revista Newsweek. Maziar decide continuar no país após as eleições para
acompanhar os protestos de cidadãos que questionam a validade da eleição que
deu uma vitória folgada para o radical Mahmoud Ahmadinejad sobre o reformista
Husseim Moussavi. Ao filmar os protestos ele registra a violência das
autoridades, que matam os cidadãos sem pestanejar. Não demora para que ele seja
preso sob acusação de espionagem, cuja prova é uma participação do jornalista
em um programa de humor (o The Daily Show do diretor Jon Stewart) na
qual ele brinca dizendo ser espião. A partir daí acompanhamos os tais 118 dias
de Maziar em uma prisão iraniana onde ele será torturado a confessar ser um
espião e parte de uma conspiração do ocidente para desacreditar o governo
iraniano.
O
filme acerta ao mostrar como Irã não é inteiramente uma nação composta
inteiramente de fundamentalistas religiosos que odeiam a América, mas também
possui um grande número de pessoas que não concorda com o atual modelo de
governo extremamente repressivo e desejam mudanças para seu país. A obra nos
aproxima destes cidadãos, revelando que eles são como qualquer um de nós, nos
aproximando da realidade deles e eliminando as barreiras de preconceitos e
generalizações que muitas vezes permeiam os cidadãos deste país. Na verdade,
evita generalizar também na representação dos apoiadores do atual governo,
mostrando que nem todos são pobres ignorantes facilmente manipuláveis como
também pessoas instruídas, com educação estrangeira e que, de algum modo,
decidiram aderir e apoiar os ideais do governo.
Mostra
também a truculência de um governo que não aceita ser questionado e lida com
violência e falsas acusações com qualquer um que o questione. Chega a ser
engraçada a cena da prisão de Maziar quando o investigador pega DVDs de filmes
e seriados (como Família Soprano) e o
acusa de distribuir pornografia ou o modo como tira de contexto algo claramente
satírico (a citada entrevista) para usar como prova de acusação.
A
direção de Stewart é bastante sóbria e direta, quase como uma reconstituição
jornalística dos eventos, mas sem jamais deixar que essa abordagem torne tudo
seco ou estéril demais. Além disso, sabe
achar espaço para o humor, quebrando um pouco a tensão e a repetição dos
sucessivos interrogatórios com momentos como aquele em que Maziar enrola seu
interrogador inventando histórias sobre seus fetiches sexuais.
O
filme ainda evita cair na armadilha de idealizar demais seu protagonista,
evitando pintá-lo como um mártir ou como um herói. Maziar é retratado como um
indivíduo cheio de dúvidas e temores, que sente a pressão de sua situação, que
cede à tortura pensando mais na própria segurança do que em seus ideais (e o
fato dele ainda continuar preso apenas ressalta a crueldade de seus captores). O
filme pensa nele como uma pessoa que passou por uma grande provação e o que
significou para ele esse período de solidão e tortura. Nesse sentido, Gael
Garcia Bernal é bastante eficiente em nos transmitir como o personagem vai
perdendo sua confiança conforme os dias se alongam e a perspectiva de
libertação parece cada vez mais distante e seu conflito interno em redescobrir
a própria esperança, recorrendo a lembranças e diálogos imaginários com
familiares para manter a sanidade.
Apesar
disso, o filme derrapa no modo como trata a participação dos Estados Unidos em
regimes iranianos anteriores e igualmente brutos. Quando questionado sobre a
intervenção americana que levou o Xá Reza Pahlavi ao poder, Maziar apenas
responde que foram "outros tempos" como se o país não continuasse
intervindo em outras nações ou se o atual regime e seu ódio ao ocidente não
tivessem tido sua origem durante o governo do Xá. Claro que isso não serve para
justificar a repressão e autoritarismo dos regimes que sucederam, mas achar que
são coisas completamente desconectadas é simplificar demais relações históricas
complexas.
Do
mesmo modo, incomoda como o filme mostra a cultura ocidental como o único
contraponto ao pensamento do regime, como se não houvesse dentro da própria
cultura persa ou da religião islâmica instrumentos retóricos que permitissem
questionar o fanatismo e repressão do atual governo. Ao mostrar o pensamento
ocidental como a única via de libertação, fica a sensação de um retrato
demasiadamente condescendente como se o povo iraniano fosse um bando de
coitados que precisaria ser resgatado de sua situação pelo pensamento e modo de
vida da civilização ocidental.
No
entanto, 118 Dias é um estudo
impactante sobre o efeito da violência e isolamento sobre um indivíduo, bem
como uma denúncia da truculência de Estado um controlador, ainda que em alguns momentos simplifique
demais as coisas.
Nota:
7/10
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