quarta-feira, 4 de março de 2015

Crítica - 118 Dias



Mais do que um filme denúncia sobre o modo brutal com a qual o governo iraniano lida com suas dissidências internas, este 118 Dias é um sensível estudo sobre o que a solidão e o desespero fazem com alguém.

Baseado em fatos reais, acompanhamos Maziar Bahari (Gael Garcia Bernal), jornalista iraniano radicado em Londres que vai ao Irã em 2009 para cobrir as eleições para a revista Newsweek. Maziar decide continuar no país após as eleições para acompanhar os protestos de cidadãos que questionam a validade da eleição que deu uma vitória folgada para o radical Mahmoud Ahmadinejad sobre o reformista Husseim Moussavi. Ao filmar os protestos ele registra a violência das autoridades, que matam os cidadãos sem pestanejar. Não demora para que ele seja preso sob acusação de espionagem, cuja prova é uma participação do jornalista em um programa de humor (o The Daily Show do diretor Jon Stewart) na qual ele brinca dizendo ser espião. A partir daí acompanhamos os tais 118 dias de Maziar em uma prisão iraniana onde ele será torturado a confessar ser um espião e parte de uma conspiração do ocidente para desacreditar o governo iraniano.

O filme acerta ao mostrar como Irã não é inteiramente uma nação composta inteiramente de fundamentalistas religiosos que odeiam a América, mas também possui um grande número de pessoas que não concorda com o atual modelo de governo extremamente repressivo e desejam mudanças para seu país. A obra nos aproxima destes cidadãos, revelando que eles são como qualquer um de nós, nos aproximando da realidade deles e eliminando as barreiras de preconceitos e generalizações que muitas vezes permeiam os cidadãos deste país. Na verdade, evita generalizar também na representação dos apoiadores do atual governo, mostrando que nem todos são pobres ignorantes facilmente manipuláveis como também pessoas instruídas, com educação estrangeira e que, de algum modo, decidiram aderir e apoiar os ideais do governo.

Mostra também a truculência de um governo que não aceita ser questionado e lida com violência e falsas acusações com qualquer um que o questione. Chega a ser engraçada a cena da prisão de Maziar quando o investigador pega DVDs de filmes e seriados (como Família Soprano) e o acusa de distribuir pornografia ou o modo como tira de contexto algo claramente satírico (a citada entrevista) para usar como prova de acusação.

A direção de Stewart é bastante sóbria e direta, quase como uma reconstituição jornalística dos eventos, mas sem jamais deixar que essa abordagem torne tudo seco ou  estéril demais. Além disso, sabe achar espaço para o humor, quebrando um pouco a tensão e a repetição dos sucessivos interrogatórios com momentos como aquele em que Maziar enrola seu interrogador inventando histórias sobre seus fetiches sexuais.

O filme ainda evita cair na armadilha de idealizar demais seu protagonista, evitando pintá-lo como um mártir ou como um herói. Maziar é retratado como um indivíduo cheio de dúvidas e temores, que sente a pressão de sua situação, que cede à tortura pensando mais na própria segurança do que em seus ideais (e o fato dele ainda continuar preso apenas ressalta a crueldade de seus captores). O filme pensa nele como uma pessoa que passou por uma grande provação e o que significou para ele esse período de solidão e tortura. Nesse sentido, Gael Garcia Bernal é bastante eficiente em nos transmitir como o personagem vai perdendo sua confiança conforme os dias se alongam e a perspectiva de libertação parece cada vez mais distante e seu conflito interno em redescobrir a própria esperança, recorrendo a lembranças e diálogos imaginários com familiares para manter a sanidade.

Apesar disso, o filme derrapa no modo como trata a participação dos Estados Unidos em regimes iranianos anteriores e igualmente brutos. Quando questionado sobre a intervenção americana que levou o Xá Reza Pahlavi ao poder, Maziar apenas responde que foram "outros tempos" como se o país não continuasse intervindo em outras nações ou se o atual regime e seu ódio ao ocidente não tivessem tido sua origem durante o governo do Xá. Claro que isso não serve para justificar a repressão e autoritarismo dos regimes que sucederam, mas achar que são coisas completamente desconectadas é simplificar demais relações históricas complexas.

Do mesmo modo, incomoda como o filme mostra a cultura ocidental como o único contraponto ao pensamento do regime, como se não houvesse dentro da própria cultura persa ou da religião islâmica instrumentos retóricos que permitissem questionar o fanatismo e repressão do atual governo. Ao mostrar o pensamento ocidental como a única via de libertação, fica a sensação de um retrato demasiadamente condescendente como se o povo iraniano fosse um bando de coitados que precisaria ser resgatado de sua situação pelo pensamento e modo de vida da civilização ocidental.

No entanto, 118 Dias é um estudo impactante sobre o efeito da violência e isolamento sobre um indivíduo, bem como uma denúncia da truculência de Estado um controlador, ainda que em alguns momentos simplifique demais as coisas.

Nota: 7/10

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