quarta-feira, 4 de março de 2015

Crítica - Kingsman: Serviço Secreto


Em tempos nos quais os blockbusters insistem em levar a sério repetições de fórmulas desgastadas (estou olhando para você O Destino de Júpiter) Kingsman corre na direção oposta e resolve não se levar nem um pouco a sério, deixando claro a natureza absurda e datada do universo apresentado ao mesmo tempo em que ousa subverter convenções e estruturas.

A trama acompanha Eggsy (Taron Egerton) um problemático jovem inglês que é recrutado pelo agente Harry (Colin Firth) a fazer parte da misteriosa organização de espionagem chamada Kingsman. Durante seu treinamento Eggsy precisará lidar com os colegas almofadinhas que não aceitam a presença de alguém, digamos, "classe-média" como o protagonista, além de ajudar seu mentor a investigar o misterioso bilionário Valentine (Samuel L. Jackson).

O filme é basicamente uma grande e calorosa homenagem aos antigos filmes de espionagem, em especial os antigos 007, com seus espiões elegantes e refinados cheios de tranqueiras absurdas como pistolas guarda-chuva e bombas-isqueiro, bem como os vilões megalomaníacos com seus covis em topos de montanha e capangas exóticos. O filme trata tudo isso com grande irreverência e humor auto-referencial, consciente do exagero e do absurdo do universo que nos apresenta ao mesmo tempo que brinca com as convenções e tenta trazer novos elementos.

Colin Firth é preciso com seu Harry Hart, tudo bem, nós já sabíamos o quanto o ator era capaz de ser um perfeito cavalheiro inglês, mas nunca imaginei que ele conseguisse ser tão convincente como herói de ação. Claro, ele é auxiliado em parte por um dublê digital, mas os efeitos e a edição são tão competentes em mascarar as transições que realmente cremos que é Firth descendo o braço em todos aqueles vilões, em especial na espetacular luta na igreja. O estreante Taron Egerton não faz feio ao lado do veterano ator e capta muito bem a personalidade descolada e estoica de Eggsy e, apesar do percurso do personagem ser bastante familiar, seu carisma nos faz embarcar na jornada  sem tornar as coisas enfadonhas. Já Samuel L. Jackson parece se divertir bastante com sua caricatura de língua presa dos tradicionais supervilões de filmes de espionagem. Sim, o personagem é exagerado e afetado, mas a ideia é mesmo deixar todo o absurdo exalar. Ainda assim, o filme subverte algumas convenções, produzindo pelo menos uma reviravolta que irá pegar boa parte do público desprevenido. Além disso temos Mark Strong e Michael Caine que são, respectivamente, o Q e o M do Bond de Harry.

Já que falei em subversão, o filme não traz apenas a subversão de clichês narrativos, mas há uma questão de subversão de classes e ordem social presente em todo o filme. Certo já vimos muitas vezes o conflito do herói de classe média que precisa provar seu valor frente a um bando de esnobes de classe alta, mas aqui esses embates entre noções do que é considerado culto e refinado (e portanto superior) contra o que é popular (e inferior) são constantemente desafiadas na tentativa de quebrar esses tabus e essas barreiras culturais arbitrárias criadas meramente para a auto estima das elites. Um exemplo disso é quando o refinado Harry diz que não há nada melhor do que beber cerveja em um pub ou o chique jantar entre ele e Valentine no qual ambos comem fast food. No entanto, a prova de que o filme leva sua luta de classes a sério é pelo fato de que os principais líderes mundiais (incluindo o presidente de uma superpotência) e ricaços do mundo inteiro apoiam o plano do vilão e ao final são todos eliminados pelos heróis em hilárias explosões multicoloridas enquanto a solene marcha "Pompa e Circunstância" toca ironicamente como um grande "foda-se" para as elites e aristocracias.

As cenas de ação são cheias de energia e bastante movimentadas, com coreografias ágeis e criativas que nos mostram todo o poder e habilidade dos agentes. Apesar dos muitos movimentos de câmera, da câmera lenta e montagem rápida, nunca perdemos o sensação de unidade e coesão espacial dos combates. O filme não economiza na violência e transmite a intensidade da ação, bem como uma clara noção perigo, de que os personagens podem realmente falhar, algo potencializado pelas mortes de personagens importantes que vão acontecendo ao longo da trama.

Assim sendo, este Kingsman: Serviço Secreto é uma movimentada aventura, cheia de irreverência e espírito subversivo.


Nota: 8/10

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