Confesso
que me aproximei com cautela deste Frank.
A estranha premissa conseguiu atiçar minha curiosidade, no entanto temia que a
ideia terminasse diluída e resultasse em um "filme de uma piada só"
ou então que o resultado fosse um desses filmes indie que é esquisito apenas por ser esquisito e tratasse os personagens como tipos engraçadinhos e bonitinhos, ignorando seus problemas sob um olhar condescendente. Felizmente Frank evita ambos problemas e o resultado
é um filme com um ritmo singular que consegue equilibrar risos e tristeza em
igual medida, além de levantar reflexões interessantes sobre arte, o mundo da
música e problemas mentais.
A
narrativa segue o Jon (Domhnall Gleeson), um jovem aspirante a músico que por
acaso encontra a banda indie
Soronprfbs (isso não é um erro de digitação, o nome é esse mesmo). A banda é
composta por um grupo de esquisitos liderados pelo ainda mais esquisito Frank
(Michael Fassbender), um homem que passa todo tempo vestindo uma enorme cabeça
de papel machê. Apesar do primeiro show junto com a banda não dar certo, Jon é
posteriormente chamado para se juntar a eles enquanto eles se preparam para
gravar um novo disco e assim o jovem vai com eles morar em uma cabana no
interior.
O
filme é levemente baseado em Frank Sidebottom, persona criada pelo comediante britânico Chris Sievey durante os
anos de 1980 que usava o mesmo tipo de cabeça de papel machê. O jornalista Jon
Ronson tocou como tecladista na banda de Sidebottom, que escreveu algumas
reportagens sobre o personagem. Ronson também escreve o roteiro deste filme,
que não trata de eventos reais, mas traz um personagem que é bastante similar a
Sidebottom.
A
história chega a nós sob o olhar otimista e ingênuo de Jon, que vê na banda sua
grande chance de se firmar no mundo da música e tenta contribuir ao máximo para
torná-los famosos. Gleeson é hábil ao nos fornecer a afabilidade e calor humano
do personagem, bem como muitas tiradas espirituosas em suas narrações que
detalham sua convivência com a banda. No entanto as representações gráficas dos tweets e comentários de internet postados pelo personagem pouco acrescentam e mais parecem uma tentativa forçada de parecer descolado.
A partir de Jon somos apresentados à Frank e através de sua visão o personagem nos parece inicialmente como um exótico gênio musical a frente do seu tempo em uma constante busca por novas sonoridades, mas conforme a primeira apresentação da banda se aproxima, vai percebendo que Frank não é exatamente aquilo que pensava. Nesse ponto a esquisitice e o bom humor vão aos poucos dando lugar a um tom mais melancólico conforme tomamos conhecimento da triste realidade sobre Frank. A mudança de tom ocorre de maneira fluida e o filme é incrivelmente cauteloso em tratar a esquisitice dos personagens com certa doçura, mas sem esquecer dos problemas sérios que eles possuem.
A partir de Jon somos apresentados à Frank e através de sua visão o personagem nos parece inicialmente como um exótico gênio musical a frente do seu tempo em uma constante busca por novas sonoridades, mas conforme a primeira apresentação da banda se aproxima, vai percebendo que Frank não é exatamente aquilo que pensava. Nesse ponto a esquisitice e o bom humor vão aos poucos dando lugar a um tom mais melancólico conforme tomamos conhecimento da triste realidade sobre Frank. A mudança de tom ocorre de maneira fluida e o filme é incrivelmente cauteloso em tratar a esquisitice dos personagens com certa doçura, mas sem esquecer dos problemas sérios que eles possuem.
O
personagem título é trabalhado com grande habilidade por Michael Fassbender que
se despe de vaidade para passar quase o filme inteiro privado de seu rosto e
parte da voz (abafada pela máscara). No entanto, apenas com seu corpo e sua
entonação ele consegue nos transmitir a natureza retraída e desconectada da
realidade que seu personagem possui. Se inicialmente o achamos engraçado por
sua conduta não convencional, quando o vemos como realmente é no fim do filme
sentimos uma enorme tristeza ao constatar que não estávamos diante de um
sujeito meramente esquisito, mas alguém profundamente danificado, mental e
emocionalmente, que buscava na música um alento para seu tormento mental.
Seu
objetivo nunca foi revolucionar a música ou se tornar famoso, ele buscava a
catarse que o labor artístico lhe trazia e seus companheiros de banda entendiam
isso. Tão problemáticos e perdidos quanto Frank, eles tinham uma unidade
enquanto grupo e apesar de parecerem desfuncionais eram exatamente o que lhes
dava estabilidade. A entrada de Jon e o modo como ele ingenuamente os coloca
sob os holofotes revela uma vulnerabilidade que até então nos estava oculta, lhes
expondo ao ridículo, algo que Jon apenas percebe tarde demais.
A
partir disso o filme levanta discussões sobre o mundo da música e a natureza da
arte. Nessa época de difusão massiva de bens culturais acabamos nos acostumando
a ver o trabalho artístico meramente como comércio, como algo a ser vendido ao
maior número possível de pessoas. No entanto, o fazer artístico é também algo
extremamente pessoal, no qual o artista coloca algo de si naquilo que faz, seus
sentimentos, sua visão de mundo, sua experiência de vida e as vezes o resultado
é algo tão íntimo e próprio daquele que a fez que outras pessoas não tem como
se relacionar com aquilo.
Não
porque é algo extremamente inteligente, superior e inalcançável às demais
pessoas, mas por tratar de uma experiência de mundo tão particular que só tem
significado àqueles que partilharam dessa vivência. Deste modo, o filme levanta
questões interessantes sobre cultura, arte e consumo, percebendo como o
comércio da arte impõe certos padrões, mas ao mesmo tempo tem maturidade suficiente
para reconhecer que talvez nem toda arte deva ser exposta, vista ou
comercializada de modo tão massivo e que as vezes é tão pessoal que deve ser
guardada para si ou para seus semelhantes. A obra transita por essas ideias sem
soluções ou maniqueísmos fáceis, evitando juízos de valor e reconhecendo
respeitosamente que toda forma artística tem seu lugar.
É
também um estudo curioso sobre como cada um de nós vive dentro de si mesmo. De
um modo metafórico somos como Frank, com nossa face oculta sob máscaras que
criamos para nós mesmos revelando aos outros apenas aquilo que queremos revelar
como faz o personagem ao dizer as expressões que faz sob a enorme cabeça. De
alguma maneira também nos fechamos em nossas próprias cabeças e muitas vezes
concebemos a realidade como a vemos e não como as coisas realmente são. Claro,
Frank está alguns níveis acima disso e o filme deixa claro que uma conduta como
a dele é reflexo de um problema mental grave, mas também não o trata uma mera
aberração, compreendendo que sua condição não é algo tão distante do resto de
nós.
Chega
a ser impressionante como o filme consegue lidar com tantos temas e ideais de
maneira tão sensível e cuidadosa em cerca de uma hora meia sem jamais soar
inchado, cansativo ou superficial. No fim, Frank
é uma esquisita e agridoce jornada que nos faz pensar sobre música, arte,
instabilidade emocional e grandes cabeças de papel machê.
Nota:
8/10
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