quarta-feira, 15 de abril de 2015

Crítica - Frank


Confesso que me aproximei com cautela deste Frank. A estranha premissa conseguiu atiçar minha curiosidade, no entanto temia que a ideia terminasse diluída e resultasse em um "filme de uma piada só" ou então que o resultado fosse um desses filmes indie que é esquisito apenas por ser esquisito e tratasse os personagens como tipos engraçadinhos e bonitinhos, ignorando seus problemas sob um olhar condescendente. Felizmente Frank evita ambos problemas e o resultado é um filme com um ritmo singular que consegue equilibrar risos e tristeza em igual medida, além de levantar reflexões interessantes sobre arte, o mundo da música e problemas mentais.

A narrativa segue o Jon (Domhnall Gleeson), um jovem aspirante a músico que por acaso encontra a banda indie Soronprfbs (isso não é um erro de digitação, o nome é esse mesmo). A banda é composta por um grupo de esquisitos liderados pelo ainda mais esquisito Frank (Michael Fassbender), um homem que passa todo tempo vestindo uma enorme cabeça de papel machê. Apesar do primeiro show junto com a banda não dar certo, Jon é posteriormente chamado para se juntar a eles enquanto eles se preparam para gravar um novo disco e assim o jovem vai com eles morar em uma cabana no interior. 

O filme é levemente baseado em Frank Sidebottom, persona criada pelo comediante britânico Chris Sievey durante os anos de 1980 que usava o mesmo tipo de cabeça de papel machê. O jornalista Jon Ronson tocou como tecladista na banda de Sidebottom, que escreveu algumas reportagens sobre o personagem. Ronson também escreve o roteiro deste filme, que não trata de eventos reais, mas traz um personagem que é bastante similar a Sidebottom.

A história chega a nós sob o olhar otimista e ingênuo de Jon, que vê na banda sua grande chance de se firmar no mundo da música e tenta contribuir ao máximo para torná-los famosos. Gleeson é hábil ao nos fornecer a afabilidade e calor humano do personagem, bem como muitas tiradas espirituosas em suas narrações que detalham sua convivência com a banda. No entanto as representações gráficas dos tweets e comentários de internet postados pelo personagem pouco acrescentam e mais parecem uma tentativa forçada de parecer descolado.

A partir de Jon somos apresentados à Frank e através de sua visão o personagem nos parece inicialmente como um exótico gênio musical a frente do seu tempo em uma constante busca por novas sonoridades, mas conforme a primeira apresentação da banda se aproxima, vai percebendo que Frank não é exatamente aquilo que pensava. Nesse ponto a esquisitice e o bom humor vão aos poucos dando lugar a um tom mais melancólico conforme tomamos conhecimento da triste realidade sobre Frank. A mudança de tom ocorre de maneira fluida e o filme é incrivelmente cauteloso em tratar a esquisitice dos personagens com certa doçura, mas sem esquecer dos problemas sérios que eles possuem.

O personagem título é trabalhado com grande habilidade por Michael Fassbender que se despe de vaidade para passar quase o filme inteiro privado de seu rosto e parte da voz (abafada pela máscara). No entanto, apenas com seu corpo e sua entonação ele consegue nos transmitir a natureza retraída e desconectada da realidade que seu personagem possui. Se inicialmente o achamos engraçado por sua conduta não convencional, quando o vemos como realmente é no fim do filme sentimos uma enorme tristeza ao constatar que não estávamos diante de um sujeito meramente esquisito, mas alguém profundamente danificado, mental e emocionalmente, que buscava na música um alento para seu tormento mental.

Seu objetivo nunca foi revolucionar a música ou se tornar famoso, ele buscava a catarse que o labor artístico lhe trazia e seus companheiros de banda entendiam isso. Tão problemáticos e perdidos quanto Frank, eles tinham uma unidade enquanto grupo e apesar de parecerem desfuncionais eram exatamente o que lhes dava estabilidade. A entrada de Jon e o modo como ele ingenuamente os coloca sob os holofotes revela uma vulnerabilidade que até então nos estava oculta, lhes expondo ao ridículo, algo que Jon apenas percebe tarde demais.

A partir disso o filme levanta discussões sobre o mundo da música e a natureza da arte. Nessa época de difusão massiva de bens culturais acabamos nos acostumando a ver o trabalho artístico meramente como comércio, como algo a ser vendido ao maior número possível de pessoas. No entanto, o fazer artístico é também algo extremamente pessoal, no qual o artista coloca algo de si naquilo que faz, seus sentimentos, sua visão de mundo, sua experiência de vida e as vezes o resultado é algo tão íntimo e próprio daquele que a fez que outras pessoas não tem como se relacionar com aquilo.

Não porque é algo extremamente inteligente, superior e inalcançável às demais pessoas, mas por tratar de uma experiência de mundo tão particular que só tem significado àqueles que partilharam dessa vivência. Deste modo, o filme levanta questões interessantes sobre cultura, arte e consumo, percebendo como o comércio da arte impõe certos padrões, mas ao mesmo tempo tem maturidade suficiente para reconhecer que talvez nem toda arte deva ser exposta, vista ou comercializada de modo tão massivo e que as vezes é tão pessoal que deve ser guardada para si ou para seus semelhantes. A obra transita por essas ideias sem soluções ou maniqueísmos fáceis, evitando juízos de valor e reconhecendo respeitosamente que toda forma artística tem seu lugar.

É também um estudo curioso sobre como cada um de nós vive dentro de si mesmo. De um modo metafórico somos como Frank, com nossa face oculta sob máscaras que criamos para nós mesmos revelando aos outros apenas aquilo que queremos revelar como faz o personagem ao dizer as expressões que faz sob a enorme cabeça. De alguma maneira também nos fechamos em nossas próprias cabeças e muitas vezes concebemos a realidade como a vemos e não como as coisas realmente são. Claro, Frank está alguns níveis acima disso e o filme deixa claro que uma conduta como a dele é reflexo de um problema mental grave, mas também não o trata uma mera aberração, compreendendo que sua condição não é algo tão distante do resto de nós.

Chega a ser impressionante como o filme consegue lidar com tantos temas e ideais de maneira tão sensível e cuidadosa em cerca de uma hora meia sem jamais soar inchado, cansativo ou superficial. No fim, Frank é uma esquisita e agridoce jornada que nos faz pensar sobre música, arte, instabilidade emocional e grandes cabeças de papel machê.

Nota: 8/10

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