Quando
saí da sala de cinema depois de ver o vergonhoso O Destino de Júpiter (2015), achei que dificilmente veria algum
outro filme tão ruim quanto este nos cinemas ainda em 2015. Para o meu azar eu
estava enganado, já que este Para o Que
Der e Vier é ainda mais terrível com
sua narrativa sem foco, personagens detestáveis e uma conivência com atitudes e
discursos anacrônicos e inaceitáveis nos dias de hoje.
A
narrativa acompanha os amigos de infância Ben (Zach Galifianakis) e Steve (Owen
Wilson), dois homens imaturos com claros problemas em lidar com a vida adulta.
Quando o pai de Ben morre, os dois precisam ir ao interior para o funeral. No
retorno à cidade natal precisam lidar com a controladora irmã de Ben, Terry
(Amy Poehler), bem como a sua jovem e hippie
madrasta Angela (Laura Ramsay).
Galifianakis
repete aqui o mesmo tipo crianção imaturo que fez em filmes como a trilogia Se Beber, Não Case ou Um Parto de Viagem (2010). Se você viu
alguns desses filmes certamente já está mais do que acostumado com sua histeria
infantilizada e provavelmente irá revirar os olhos a cada tentativa sua de soar
engraçado que basicamente consiste em correr, gritar, falar coisas sem sentido
e ficar nu. Algumas inclusive são mais ofensivas do que engraçadas como o
momento em que ele diz para madrasta que ela deveria virar professora de
"coisas de mulher como cozinhar e arrumar a casa", uma ideia
antiquada, machista e pouco engraçada. O personagem até tenta tomar jeito
depois que sua loucura obviamente sai do controle e ele é obrigado a se medicar,
mas a transformação acontece rápido demais e é pouco explorada já que o filme
muda seu foco para o personagem de Owen Wilson que consegue ser ainda menos
interessante.
Se
Ben pode ter sua conduta relevada por causa de seus problemas mentais, o mesmo
não pode ser dito de Steve, um sujeito superficial, imaturo, mulherengo e
machista que trata as mulheres ao seu redor como se elas fossem obrigadas a se
render ao seu charme, além de exibir uma conduta abusiva em alguns momentos. Se
suas tentativas em ver a vizinha trocando de roupa soam inicialmente como um vouyerismo inofensivo, elas passam a
beirar um comportamento de stalker
quando ele pede que uma árvore seja cortada apenas que ele possa vê-la sem
roupas. O comportamento ainda é repetido quando observa Angela, a madrasta do
melhor amigo e uma alguém que acabou de conhecer, tomando banho por uma fresta
na porta e ainda por cima não exibe qualquer vergonha ao ser descoberto. O fato
de Angela não reclamar da intrusão não torna a atitude menos desrespeitosa.
Aliás,
seu comportamento em relação à recém-viúva não deixa de ser incômodo por um
momento sequer. Steve irá insistir em flertar com ela mesmo quando ela deixa
claro que não quer nada com ele, como se Angela não tivesse escolha senão ceder
aos seus avanços. Além disso irá se comportar de modo possessivo e até violento
em relação a ela, como fica claro na cena em que ele arremessa uma mesa ao
descobrir que Angela e Ben tiveram um breve envolvimento. Isso já seria uma
atitude grave se Steve e Angela tivessem qualquer relação, mas se torna
absolutamente inaceitável se lembrarmos que o máximo que os dois compartilharam
foi um beijo.
A
"redenção" do personagem é ainda mais gratuita e forçada que a de
Ben, já que basta Steve olhar para o toco da árvore cortada parece magicamente
reverter todos os seus desvios de caráter (não consigo ver outra forma de
qualificar senão essa). E o fato da vizinha, agora sem a cobertura da árvore,
aparentar satisfação ao ser ver observada por um estranho apenas retifica que o
filme parece tratar as mulheres como criaturas subservientes que devem se
considerar felizes com a objetificante atenção masculina que recebem. O pior de
tudo é constatar que apesar de tudo Steve consegue, de fato, terminar com
Angela, algo que eu descreveria apenas como "Adam Sandleresco", visto
que nos filmes do parvo comediante ele também interpretar sujeitos imaturos e
misóginos que, de modo inexplicável, conseguem encantar a mocinha com suas
atitudes inapropriadas. Mover os personagens rumo a essa relação parece mandar
uma perigosa e repreensível mensagem de conformismo e naturalização deste tipo
de comportamento, já que Steve não possui nenhuma característica que o redima e
assim o filme premia a misoginia do personagem ao invés de repreendê-la.
Sim,
Steve de fato ajudou Ben durante muitos anos, mas como ele era a única pessoa
com quem se relacionava, não consigo deixar de pensar que ele fazia isso muito
mais para se manter em sua zona de conforto de imaturidade e irresponsabilidade
do que por pura bondade e altruísmo, principalmente quando lembramos que ele
sequer moveu um dedo para conseguir um advogado ou defensor público para o
amigo quando sua herança foi contestada pela irmã, quase como se realmente
quisesse que Ben continuasse a ser rotulado como um porra-louca fracassado
apenas para alimentar a própria auto-estima.
A
irmã, Terry, aliás, é tratada apenas como uma megera castradora e gananciosa,
mesmo ela tendo certa razão em questionar a habilidade do irmão em gerir seu
patrimônio . O filme tenta lhe dar alguma profundidade ao mostrar que ela tem
certo ressentimento de Ben por ele receber mais atenção do pai ou a amargura
por não ter filhos, mas todos esses problemas são abordados rapidamente e logo
depois esquecidos pelo filme. Do mesmo modo, as tensões entre Terry e Ben são
resolvidas de modo automático, quase que por exigência do roteiro do que pelo
desenvolvimento natural dos personagens, sendo uma pena ver a ótima Amy Poehler
desperdiçada em um papel tão ruim.
Assim
sendo, ela fica boa parte do tempo apenas como megera e como Terry e Angela são
as duas únicas personagens femininas a ter alguma importância na trama, poderia
dizer no filme as mulheres são reduzidas por um lado como empregadas/objeto
sexual e por outro como megeras devoradoras de homens o que reforça novamente o
olhar repreensível do filme sobre as mulheres. A sensação que eu tenho é que o
diretor e roteirista Matthew Weiner, criador da série Mad Men, passou tanto tempo escrevendo sobre os anos 50, quando
esse tipo de olhar era natural, aceitável e até encorajado, que esqueceu que
nos dias de hoje essas representações são anacrônicas, machistas e
inadmissíveis.
Mesmo
ignorando tudo isso o que resta é uma comédia dramática que nunca é realmente
engraçada e nunca se aprofunda nos dramas de seus dois personagens, que passam
boa parte do tempo chapados e se lamentando. O ritmo é arrastado e demora a
desenvolver seus previsíveis conflitos e quanto o faz, tudo é resolvido
rapidamente e muitas vezes de modo gratuito. Além disso é repleto de diálogos
expositivos e regurgitados de modo exageradamente impostado sobre
autoconhecimento, família e amizade que parecem saídos de um livro ruim de
auto-ajuda e martelam de modo forçado e repetitivo as ideias do filme. O filme
almeja tratar de todos esses temas, mas ao mesmo tempo não constrói nenhum
deles de modo satisfatório, soando vazio, disperso e sem foco.
Incomoda
também a descarada publicidade de uma determinada franquia de restaurantes de
temática australiana. Como falei em meu texto sobre Ponte Aérea, entendo que esse tipo de coisa faz parte do cinema e
da realização de filmes (e essa intervenção deve ter pago boa parte deste), mas
isso é algo que precisa ser trabalhado com cuidado e sutileza. No entanto, a
obra não se contenta em desnecessariamente mostrar a fachada do restaurante,
como também obriga os personagens a descreverem seus pratos e quanto eles são
deliciosos, praticamente parando um filme para um intervalo comercial pouco
orgânico e que quebra a imersão, deixando a expectativa de que ao final da cena
um dos atores olharia diretamente para a câmera e diria o nome do restaurante
em voz alta, seguido de uma piscada para a câmera.
Assim
sendo, tudo que resta em Para o Que Der e
Vier é uma obra superficial, sem graça e sem ritmo, cujas faltas são
agravadas por um retrógrado viés machista. Chega a ser impressionante como um
filme que reúne artistas tão talentosos consegue ser tão equivocado, sendo esta
provavelmente a coisa (me recuso a chamar de filme) mais desprezível que vi nos
cinemas este ano.
Nota:
1/10
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