quinta-feira, 23 de abril de 2015

Crítica - Pássaro Branco na Nevasca

 
A exploração do lado sombrio e hipócrita que reside por trás da fachada aparentemente perfeita da classe média suburbana dos Estados Unidos não é exatamente novo. Filmes como Beleza Americana (1999), Pecados Íntimos (2006) ou Foi Apenas Um Sonho (2008) já tinham trazido a tona os segredos ocultos por trás da imagem idealizada da "típica família americana" e este Pássaro Branco na Nevasca continua esse revisionismo da iconografia da tradicional família suburbana de classe média, somando-o a uma narrativa sobre despertar sexual e afetivo.

 Na história acompanhamos a jovem Kat (Shailene Woodley), uma adolescente experimentando seu primeiro relacionamento e descobrindo sua sexualidade quando sua mãe, Eve (Eva Green), desaparece sem deixar vestígio. Assim, ela precisa lidar com a ausência da mãe com quem sempre teve uma relação problemática, assim como a distância que ambas tinham com Brock (Christopher Meloni), seu pai passivo e condescendente.

 A direção de Gregg Araki usa bem as cores, luzes e montagem para revelar o estado de espírito de seus personagens. Quando nos mostra o passado de Eve e Brock, as roupas da esposa são de um verde bastante vivo e uma iluminação intensa, denotando a vida aparentemente radiante e cheia de felicidade do casal. No entanto, quando passamos para o presente e vemos Eve como uma dona de casa frustrada e cheia de amargura diante de um marido que a vê meramente como empregada doméstica, suas roupas apresentam um tom de verde mais escuro e a casa torna-se mais escura e cheia de sombras, dando um ar infeliz e decadente à personagem e ao ambiente. Do mesmo modo, a luz usada em Eve obscurece seus olhos e lhe confere um ar fantasmagórico, um sentimento potencializado pelas várias tomadas dela observando a filha em silêncio pelos corredores da casa, como se a personagem fosse uma assombração vagando pela própria casa.

O distanciamento e a falta de afeto entre a família é sentido durante a cena do jantar, quando a montagem vai cortando de modo seco entre as faces impassíveis dos três e os cortes entre os diferentes closes os fazem parecerem distantes um do outro apesar da proximidade. As tentativas de Brock em puxar conversa com a esposa são rechaçadas com respostas curtas ou um incômodo silêncio seguido de um olhar carregado de desprezo e ódio, como se Eve fosse saltar sobre a garganta do marido a qualquer instante. Do mesmo modo, a vemos pairar sobre a filha com um olhar que mistura amargura e ressentimento, como se ela lhe tivesse roubado sua vida, seus sonhos, sua juventude e beleza.

Aliás, a atriz Eva Green faz um ótimo trabalho ao retratar uma mulher contida, mas prestes a transbordar a qualquer momento sob a pressão de suas frustrações e carência emocional e quando isso de fato acontece tudo parece natural e coerente, sendo que nas mãos de uma atriz menos competente o resultado poderia descambar para uma exagerada mastigação de cenário. Já Shailene Woodley traz em si as inseguranças e dúvidas de sua personagem que encontra no sexo uma muleta física e emocional para a falta de afetividade e contato humano que encontra em casa. Christopher Meloni, por sua vez, surpreende ao fazer aqui um sujeito diametralmente oposto ao detetive durão que nos acostumamos a ver na série Lei e Ordem e se de início o vemos como um homem medíocre e acomodado com sua vida pacata, a reviravolta final nos revela que ele se sentia tão incompleto e frustrado quanto a esposa, já que não podia assumir seu verdadeiro eu.

É justamente no final, porém, que o filme perde força, já que as revelações sobre os pais de Kat tem potencial para deixar marcas profundas sobre a jovem, no entanto, tudo é resolvido de modo apressado e o filme não dá espaço para que os eventos repercutam na personagem, resumindo tudo em poucas frases de Kat em uma narração em off. Assim, fica a sensação que a narrativa não se aprofunda no tormento emocional da personagem e seu ressentimento em relação aos pais. Isso, no entanto, parece mais um problema de roteiro do que da relativa curta duração (cerca de noventa minutos), já que filmes igualmente rápidos como Frank (2015) ou Whiplash: Em Busca da Perfeição (2015) trazem estudos complexos da mente de seus personagens em uma minutagem igualmente curta.

Deste modo, Pássaro Branco na Nevasca traz uma estética muito bem construída e ótimas performances da trinca principal, mas derrapa no tratamento superficial aos conflitos da protagonista.

Nota: 7/10

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