Antes
de mais nada preciso dizer o quanto sou fã do diretor Paul Thomas Anderson,
alguns de seus filmes como Magnólia
(1999), Sangue Negro (2007) e O Mestre figuram fáceis entre os meus
favoritos de todos os tempos. Então é sempre com muita expectativa que entro
para conferir um novo trabalho seu e com este Vício Inerente não foi diferente.
Baseada
no romance homônimo de Thomas Pynchon, a trama se passa nos anos 70 acompanha o
detetive particular Larry "Doc" Sportello (Joaquin Phoenix fazendo um
ótimo cosplay de Wolverine), um
hippie que passa boa parte do seu tempo usando drogas, que é abordado pela
ex-namorada Shasta (Katherine Waterston) a investigar o desaparecimento de seu
amante, o barão imobiliário Michael Wolfmann (Eric Roberts), que pode ter sido
vítima de um golpe de sua ciumenta esposa.
Temos
aqui vários ingredientes de um típico film
noir: um detetive, uma personagem feminina que pode ser aliada ou inimiga,
policiais durões e um crime aparentemente banal que esconde uma conspiração
muito maior. No entanto este não é um filme típico, mas algo que eu chamaria de
"noir para maconheiros".
Sportello não é um investigador inteligente, perspicaz ou mesmo safo, ele é um
sujeito em constante estado de estupor, confuso, com pensamentos bagunçados e
que tem dificuldade em se manter coerente e seu percurso é tão rocambolesco
como sua própria cabeça.
A música contribui para sentirmos o estado mental do personagem, em alguns momentos calma e relaxada como uma viagem tranquila, em outros tensa e carregada de paranóia e perigo iminente como se estivéssemos em uma bad trip. A montagem abrupta também contribui um pouco para a sensação de confusão de salta de modo seco entre diferentes momentos como fragmentos de uma mente já danificada e incapaz de arrumar suas memórias de modo linear e coerente. No entanto, é difícil abandonar a sensação que falta uma atmosfera mais lisérgica por parte da fotografia do filme, ela é muito bem realizada, claro, e utiliza bem as cores e as sombras, mas em um projeto que gira em torno da mente de um sujeito constantemente chapado ela soa incomodamente sóbria.
Joaquin
Phoenix faz mais um trabalho extremamente competente como Doc, evitando
torná-lo uma caricatura e transformando-o em um sujeito complicado, com claros
problemas emocionais não resolvidos em relação à sua ex-namorada e com um
particular senso de justiça. Por sua vez Josh Brolin com seu "Pé
Grande" Bjornsen faz um policial que parece esconder grande fragilidade
por trás de sua fachada durona.
Muitos
podem dizer que a narrativa de Vício
Inerente é muito complicada, difícil de compreender e que não faz muito
sentido. Tudo isso é verdade, no entanto, essa parece ser exatamente a intenção
do diretor Paul Thomas Anderson. Como o filme diz o termo "vício inerente”
diz respeito a um atributo ou defeito em um objeto que leva à sua inevitável
deterioração. No decorrer do filme encontramos representantes de boa parte das
principais correntes ideológicas presentes no Estados Unidos de então, de
Panteras Negras a neonazistas, de liberais a conservadores, de hippies a
religiosos. Todos com seus sonhos, suas utopias seus projetos de nação todos
eles colidindo tentando se impor e devorar um ao outro, todos convergem e se
misturam e o resultado é essa bagunça indecifrável sem começo ou fim, sem razão
ou solução, como a própria narrativa. No fim das contas Thomas Anderson nos revela uma sociedade na qual
o "sonho americano" é em si um vício inerente fadado a devorar a si mesmo
até erodir suas próprias ambições e nada mais reste. Não vou aqui cravar os
muitos significados do filme, tampouco arrisco a decifrá-lo completamente, já
que parte da sua riqueza são as muitas possibilidades de leitura e tentar
detalhar demais aquilo que dele extraí seria limitar a percepção daqueles que
irão vê-lo.
Assim
sendo, este Vício Inerente pode não
ser de fácil apreciação, mas sob seu formato de "noir para maconheiros" traz um retrato mordaz sobre a
sociedade americana.
Nota: 9/10
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