terça-feira, 16 de junho de 2015

Crítica - Divertida Mente


Análise Crítica - Divertida Mente

Review - Divertida Mente
A Pixar produziu algumas das melhores animações do cinema estadunidense como Up: Altas Aventuras (2009), Wall-E (2008) e Ratatouille (2007), mas desde Toy Story 3 (2010) não entregava um filme que fizesse justiça ao histórico da empresa, com resultados variando entre o aceitável, como em Valente (2012), e terrível, como Carros 2 (2011). Divertida Mente, no entanto, finalmente traz o estúdio de volta ao padrão de excelência e criatividade que o elevou ao sucesso.
A história se passa dentro da mente de Riley (Kaitlyn Dias), uma menina de onze anos que acabou de se mudar para uma grande cidade. Sua mente é "gerenciada" pelas emoções Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mindy Kaling) e esses seis gerentes precisarão se esforçar para lidar com o turbilhão emocional que toma conta da garota enquanto ela tenta se adaptar à nova casa.
O grande mérito do filme é como ele consegue tornar concretos conceitos abstratos ou metafísicos, dando corpo às emoções e transformando o cérebro em uma locação física na qual a memória é um enorme arquivo, a imaginação é um parque de diversão, o setor de sonhos é um estúdio de cinema e o subconsciente é uma espécie de calabouço. Assim, enquanto vemos Alegria ou Tristeza transitando por estes ambientes, não vemos apenas as aventuras destes personagens, mas também o desenvolvimento emocional da garota Riley.
A criação destes ambientes da psique da garota são de uma criatividade visual singular e em cada cena, cada local há um frescor e inventividade que constantemente nos encanta e, ao mesmo tempo, ajudam a transmitir a mensagem que o filme deseja passar. Assim, quando um dos medos da garota arrebenta os portões de seu subconsciente para invadir seu sonho, o filme está literalmente nos mostrando como aquilo que tentamos reprimir em nossas cabeças acaba, de algum modo, emergindo em nossa mente.

Mensagem esta, devo dizer, que é bastante corajosa para um grande blockbuster voltado principalmente às crianças. Afinal ultimamente ser feliz tem se tornado praticamente uma obrigação e as pessoas se dedicam a ostentar felicidade para todos ao seu redor o tempo todo, além disso a ficção voltada para crianças cada vez mais facilita e enche de atalhos as jornadas de seus personagens, nos quais tudo lhes é dado e explicado, permitindo que os percalços sejam resolvidos facilmente. Escapa também de simplificar demais as coisas, apoiando-se excessivamente em frases de efeito prontas como fez o recente Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível que acabou se revelando incomodamente raso para suas ambições. Divertida Mente, no entanto, tem a lucidez de evitar tudo isso, bem como evita a armadilha de tornar maniqueístas as relações entre as emoções, já que seria muito fácil tornar Alegria a heroína e vilanizar a Tristeza ou Raiva.
O filme, no entanto, inteligentemente segue no caminho contrário ao reconhecer que todas as emoções são importantes para o nosso desenvolvimento emocional e, basicamente, que é necessário (e até inevitável) aceitar a tristeza como parte de nossas vidas e que sem isso não é possível existir felicidade. Em nossa existência iremos inevitavelmente fracassar, nos machucar, seremos magoados por outras pessoas (até por nossos pais) e é nesses momentos de tristeza que podemos aprender, que podemos nos edificar e crescer enquanto pessoas. Sem isso não há atrito, não há tensão e sem tensão nada se transforma, seja na ficção, na vida real, na psicologia ou na química. Nenhuma pessoa emocionalmente saudável pode ser feliz o tempo todo ou pode manter o mesmo comportamento durante toda a vida.
Tudo é conduzido com extrema sensibilidade e doçura, equilibrando com competência o drama e a comédia, permitindo assim que essas ideias complexas e carregadas de nuances sejam acessíveis tanto a crianças quanto aos adultos. Quando um antigo amigo imaginário de Riley se joga no "abismo do esquecimento" para que a Alegria consiga sair de lá, vemos, de modo literal e metafórico, que é preciso se desapegar de certos elementos de momentos anteriores da nossa vida para que possamos nos desenvolver psicológica e emocionalmente. Não significa que essas vivências tenham sido ruins ou inúteis, apenas que o momento delas em nossas vidas passou e precisamos de outras e novas experiências.
Do mesmo modo, é tocante a cena na qual Alegria finalmente reconhece que ela precisa da Tristeza para poder trabalhar e que uma emoção complementa a outra, já que quando "gerenciada" apenas pelo Medo, Raiva e Nojinho, Riley vai aos poucos perdendo sua própria identidade. O filme ainda é inteligente para reconhecer que essas emoções não são absolutas e unidimensionais e conforme crescemos elas vão ficando mais complexas e uma experiência pode, por exemplo, mesclar alegria e tristeza. Isso fica evidenciado pelo final quando vemos o "centro de comando" recebendo um novo e maior painel de controle e que os orbes de memória se tornaram multicoloridos.
Divertida Mente, portanto, é uma animação visualmente inventiva e tematicamente arrojada, entregando uma aventura ágil, engraçada e comovente em iguais medidas e apresenta um cuidadoso estudo sobre nosso desenvolvimento emocional.

Nota: 10/10

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