Depois
do sucesso de público e crítica de Garota
Exemplar era de se esperar que os estúdios corressem atrás de outras obras
da romancista Gillian Flynn para levar aos cinemas. Assim chegamos a este Lugares Escuros, adaptação do segundo
livro escrito por ela. O filme pode não ter a mesma intensidade nem o
revisionismo das convenções da narrativa policial que Garota Exemplar exibia, mas ainda consegue agradar.
A
trama gira em torno de Libby (Charlize Theron) uma mulher que viu a família
inteira ser assassinada quando era criança e, com seu testemunho, colocou o
irmão, Ben (Corey Stoll), na cadeia como responsável pelo crime. Depois de
passar a vida se sustentando de doações e dos lucros de seu livro sobre o caso,
Libby encontra-se à beira da falência e sem saber o que fazer. Seu agente lhe
aconselha a fazer presença em eventos e ela acaba aceitando o convite de um
clube de detetives amadores e fãs de histórias de crimes verdadeiros. No clube
ela é questionada sobre os eventos da noite do crime, já que muitos não
acreditam que ele seja de fato o culpado, e fica sabendo que em poucos dias seu
irmão pode perder a última chance de apelar. Assim, o presidente do clube, Lyle
(Nicolas Hoult), a convida a examinar novamente o caso, fazendo-a retornar aos
lugares escuros (físicos e metafóricos) de seu passado.
Garota Exemplar tratava de modo passageiro os efeitos da crise
financeira sobre a sociedade americana, mas aqui ela é o elemento central da
trama e o fio que liga o presente e o passado. Não é a toa que a investigação
de Libby a leva para lugares decrépitos, bares decadentes e até um lixão. A
fotografia investe no contraste entre luz e sombras, dando um ar soturno aos
cenários além de usar efeitos de granulação que conferem uma aparência erodida
e desgastada, ao mesmo tempo em que faz tudo parecer um antigo noir.
Nos
Estados Unidos pós-crise todos são movidos por dinheiro, mas não por ganância e
acumulação de fortuna e sim pelo mínimo necessário para sobreviver e o desespero
por sobrevivência é o que motiva as piores condutas. É quase como se a
decadência financeira e a consequente decadência social tivessem causado também
uma decadência moral no qual os indivíduos abrem mão de qualquer princípio
apenas para sobreviver. Um desespero fruto da realização de que aquele
prometido "sonho americano" não apenas não existe, como foi a exata
causa de sua derrocada.
A
investigação se desenvolve no padrão típico de pista e recompensa no qual cada
novo fato coletado irá invariavelmente levar a uma nova descoberta ou
reviravolta, mas, ainda assim, o texto é incrivelmente hábil ao retratar as
ambiguidades de seus personagens, manejando bem a intriga e nos deixa sempre
incertos quanto ao caráter de alguns personagens, em especial Ben, que nunca
conseguimos decifrar por completo e ficamos na dúvida se ele é mesmo alguém que
abriu mão do rancor por tudo que aconteceu ou se é um psicopata frio e sádico
que apenas tenta manipular a irmã.
A
trama, no entanto, não é livre de problemas, em especial a resolução do crime
que insere do nada como culpado um personagem cujo nome jamais havia sido
citado antes, nunca figurou entre os suspeitos e os eventos levando a isso são
rapidamente mencionados apenas no início. Isso acaba soando como uma trapaça ao
jogo investigativo proposto, já que não permitiria ao espectador decifrar esta
parte do enigma (embora todo o resto seja bastante acessível se você prestar
atenção).
Charlize
Theron tem mais uma atuação competente seguindo seu ótimo trabalho no recente Mad Max: Estrada da Fúria. Sua Libby
está sempre exibindo uma postura defensiva, com a cabeça baixa, ombros
levantados e mãos junto ao corpo. Seu comportamento compulsivo de acumuladora demonstra
sua personalidade retraída e traumatizada, bem como sua incapacidade de
desprender das coisas. No entanto, apesar de psicologicamente vulnerável, ela
jamais se permite ficar indefesa e plenamente capaz de cuidar de si mesma.
Corey Stoll, como já mencionado, traz a medida certa de ambiguidade para Ben,
nos fazendo sentir pena, mas ao mesmo tempo medo do personagem, já que não
sabemos exatamente suas intenções. Já Christina Hendricks, que faz a mãe de
Libby, acerta na construção sutil de seu crescente desamparo de desespero
conforme ela constata que está prestes a perder tudo que possui, mas também com
a possibilidade de ter fracassado como mãe, já que o filho está sendo acusado
de abuso sexual.
Lugares Escuros é, portanto, um suspense bastante tradicional, mas
consegue envolver pelo competente manejo do suspense e personagens bem
construídos.
Nota: 6/10
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