terça-feira, 16 de junho de 2015

Crítica - Lugares Escuros

Resenha Crítica - Lugares Escuros

Review Lugares Escuros Dark Places
Depois do sucesso de público e crítica de Garota Exemplar era de se esperar que os estúdios corressem atrás de outras obras da romancista Gillian Flynn para levar aos cinemas. Assim chegamos a este Lugares Escuros, adaptação do segundo livro escrito por ela. O filme pode não ter a mesma intensidade nem o revisionismo das convenções da narrativa policial que Garota Exemplar exibia, mas ainda consegue agradar.

A trama gira em torno de Libby (Charlize Theron) uma mulher que viu a família inteira ser assassinada quando era criança e, com seu testemunho, colocou o irmão, Ben (Corey Stoll), na cadeia como responsável pelo crime. Depois de passar a vida se sustentando de doações e dos lucros de seu livro sobre o caso, Libby encontra-se à beira da falência e sem saber o que fazer. Seu agente lhe aconselha a fazer presença em eventos e ela acaba aceitando o convite de um clube de detetives amadores e fãs de histórias de crimes verdadeiros. No clube ela é questionada sobre os eventos da noite do crime, já que muitos não acreditam que ele seja de fato o culpado, e fica sabendo que em poucos dias seu irmão pode perder a última chance de apelar. Assim, o presidente do clube, Lyle (Nicolas Hoult), a convida a examinar novamente o caso, fazendo-a retornar aos lugares escuros (físicos e metafóricos) de seu passado. 

Garota Exemplar tratava de modo passageiro os efeitos da crise financeira sobre a sociedade americana, mas aqui ela é o elemento central da trama e o fio que liga o presente e o passado. Não é a toa que a investigação de Libby a leva para lugares decrépitos, bares decadentes e até um lixão. A fotografia investe no contraste entre luz e sombras, dando um ar soturno aos cenários além de usar efeitos de granulação que conferem uma aparência erodida e desgastada, ao mesmo tempo em que faz tudo parecer um antigo noir.

Nos Estados Unidos pós-crise todos são movidos por dinheiro, mas não por ganância e acumulação de fortuna e sim pelo mínimo necessário para sobreviver e o desespero por sobrevivência é o que motiva as piores condutas. É quase como se a decadência financeira e a consequente decadência social tivessem causado também uma decadência moral no qual os indivíduos abrem mão de qualquer princípio apenas para sobreviver. Um desespero fruto da realização de que aquele prometido "sonho americano" não apenas não existe, como foi a exata causa de sua derrocada.

A investigação se desenvolve no padrão típico de pista e recompensa no qual cada novo fato coletado irá invariavelmente levar a uma nova descoberta ou reviravolta, mas, ainda assim, o texto é incrivelmente hábil ao retratar as ambiguidades de seus personagens, manejando bem a intriga e nos deixa sempre incertos quanto ao caráter de alguns personagens, em especial Ben, que nunca conseguimos decifrar por completo e ficamos na dúvida se ele é mesmo alguém que abriu mão do rancor por tudo que aconteceu ou se é um psicopata frio e sádico que apenas tenta manipular a irmã.

A trama, no entanto, não é livre de problemas, em especial a resolução do crime que insere do nada como culpado um personagem cujo nome jamais havia sido citado antes, nunca figurou entre os suspeitos e os eventos levando a isso são rapidamente mencionados apenas no início. Isso acaba soando como uma trapaça ao jogo investigativo proposto, já que não permitiria ao espectador decifrar esta parte do enigma (embora todo o resto seja bastante acessível se você prestar atenção).

Charlize Theron tem mais uma atuação competente seguindo seu ótimo trabalho no recente Mad Max: Estrada da Fúria. Sua Libby está sempre exibindo uma postura defensiva, com a cabeça baixa, ombros levantados e mãos junto ao corpo. Seu comportamento compulsivo de acumuladora demonstra sua personalidade retraída e traumatizada, bem como sua incapacidade de desprender das coisas. No entanto, apesar de psicologicamente vulnerável, ela jamais se permite ficar indefesa e plenamente capaz de cuidar de si mesma. Corey Stoll, como já mencionado, traz a medida certa de ambiguidade para Ben, nos fazendo sentir pena, mas ao mesmo tempo medo do personagem, já que não sabemos exatamente suas intenções. Já Christina Hendricks, que faz a mãe de Libby, acerta na construção sutil de seu crescente desamparo de desespero conforme ela constata que está prestes a perder tudo que possui, mas também com a possibilidade de ter fracassado como mãe, já que o filho está sendo acusado de abuso sexual.

Lugares Escuros é, portanto, um suspense bastante tradicional, mas consegue envolver pelo competente manejo do suspense e personagens bem construídos.


Nota: 6/10

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