Depois
de várias semanas com péssimos filmes de terror como A Forca ou Exorcistas do Vaticano invadindo os cinemas brasileiros, enfim um bom exemplar do gênero
chega às nossas telas (ainda que atrasado) na forma deste bacana Corrente do Mal.
A
trama acompanha a adolescente Jay (Maika Monroe), que recentemente começou a
namorar com bonitão local Hugh (Jake Weary). Quando eles finalmente fazem sexo
no banco de trás do carro, Jay é inesperadamente nocauteada com clorofórmio e
acorda amarrada a uma cadeira de rodas dentro de um prédio decrépito. Hugh
então explica a situação (e a trama) para ela: aparentemente alguém
"passou" uma maldição para ele e essa maldição consiste em ser
seguido o tempo todo por uma aparição que constantemente muda de forma e,
apesar de lenta, nunca para de te seguir até seu alvo estar morto. O único modo
de continuar vivo é "passar adiante" a maldição através, claro, do
sexo, e torcer para o próximo amaldiçoado se manter vivo, caso contrário o
espectro passará a seguir o "infectado anterior".
A
associação entre sexo e morte em filmes de terror é pra lá de batida, nos Sexta Feira 13 e A Hora do Pesadelo fazer sexo normalmente era seguido de morte e Pânico (1996) explicitou a regra que
quem transar em um filme de terror irá invariavelmente morrer. No entanto, o
filme não se resume a uma espécie de "pega-pega" sexual com os
personagens transando incessantemente para se livrar do seu irrefreável
perseguidor, tampouco a trama é reduzida a uma mera alegoria à AIDS, DSTs ou qualquer
coisa assim. Certamente seria o caso se o material estivesse nas mãos de algum
executivo de estúdio, mas na condução de David Robert Mitchell, o texto nunca é
reduzido a uma catequese conservadora. Cada um de seus personagens vê e usa o
sexo de uma maneira diferente e tem seus próprios conflitos envolvendo a
questão.
O
terror aqui não é feito a partir de câmeras tremidas e sustos súbitos gratuitos,
mas de uma cuidadosa construção de uma atmosfera de incerteza, tensão e medo. A
construção já começa na primeira cena quando um plano aberto nos mostra uma
garota correndo em círculos por uma vizinhança cinzenta, ela está desesperada,
claramente fugindo de algo, mas não há ninguém ali. O plano segue, quase sem
cortes até que a garota entre em um carro e dirija rapidamente, um corte súbito
e vemos seu corpo despedaçado em uma praia. O que aconteceu? Do que a garota
estava fugindo? Que pessoa ou criatura seria capaz de fazer aquilo? Com apenas
poucos minutos o filme já nos deixa em alerta, temendo uma ameaça desconhecida.
Aos poucos o filme vai estabelecendo as "regras do jogo", como o fato
de que apenas os "infectados" podem ver a criatura, ao mesmo tempo
não cai no erro de decifrar completamente o que é, afinal o desconhecido é sempre
mais assustador.
Há
uma tensão constante pendendo sobre Jay, pois sabemos que "a coisa"
pode aparecer a qualquer momento e os planos abertos que o filme insiste em
usar parecem nos convidar a um jogo doentio de "Onde Esta Wally?", na esperança de que sejamos capazes de identificar
a ameaça vindo, já que assim como Jay estamos mergulhados nessa sensação de
perigo constante e iminente. As paisagens de Detroit com todas as suas
construções decrépitas parecem ainda mais assustadoras sob as lentes de
Mitchell e a paleta de cores cinzentas e frias contribui para tornar tudo ainda
mais macabro e desolador. Os visuais das diferentes formas da criatura também
são igualmente macabros, dando a impressão de que ela usa as aparências de
vítimas anteriores
Os
personagens, apesar de básicos e unidimensionais, nos convencem de sua amizade
pelo modo como se comunicam quase sem precisar falar, muitas vezes apenas com
gestos ou olhares, dando a impressão de que estas pessoas se conhecem a um bom
tempo. O filme acerta também na construção do cotidiano entediante do
adolescente de classe média americano, no qual os adultos parecem estar sempre
ausentes e todos os dias parecem uma repetição dos anteriores.
Perto
do final, acaba derrapando um pouco justamente pelo fato da criatura apenas
focar nos "infectados", tirando assim parte da incerteza e do
suspense em não saber quem irá morrer ou viver. Também porque o embate
climático dos jovens com "a coisa" parece incomodamente parecido com
a cena da piscina de Deixa Ela Entrar
(2008).
Ainda
assim, Corrente do Mal é uma obra que
consegue brincar com competência com as estruturas e temas tradicionais do
terror, algo que vem ficando cada vez mais raro nos trabalhos do gênero,
criando uma atmosfera verdadeiramente amedrontadora.
Nota:
8/10
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