Quatro
jovens se encontram na escuridão e discutem o que fazer com a arma do crime e o
assassinato, corte abrupto para três meses antes e vemos os quatro chegando
para a primeira aula de direito criminal na faculdade na qual são recebidos por
uma rígida professora que também é advogada de defesa que se refere a sua
disciplina como "Como sair livre de um assassinato". Teriam os jovens
matado alguém em algum jogo doentio com essa professora? Seria a professora a
vítima? O que aconteceu nesses três meses? Com apenas pouco mais de dez minutos
em seu episódio piloto a série How To Get
Away With Murder já nos fisgou com um instigante mistério e pelo menos uma
personagem marcante na figura da professora Annalise Keating (Viola Davis),
dois méritos que irá conseguir manter com consistência ao longo dos quinze
episódios de sua primeira temporada.
Demorei
um pouco para começar a assistir essa série apesar de bastante recomendada, o
que por um lado é uma pena, pois estive perdendo uma ótima narrativa, por outro
lado não precisei esperar em agonia semana a semana por um novo episódio e
acabei devorando toda a temporada em dois dias. Tentarei evitar spoilers ao máximo, mas imagino que
algumas pequenas menções a eventos específicos são inevitáveis, então se spoilers realmente incomodam, melhor
voltar aqui apenas depois de ver a temporada inteira.
Parte
drama jurídico, parte narrativa policial, essa primeira temporada é centrada na
professora e advogada de defesa Annalise Keating e seu grupo de estagiários Wes
(Alfred Enoch), Connor (Jack Falahee), Michaela (Aja Naomi King), Laurel (Karla
Souza), justamente os quatro que vimos na cena que abre o piloto, e Asher (Matt
McGorry). A narrativa alterna entre o passado, no qual eles trabalham para
defender clientes que nem sempre são inocentes, e o "presente"
mostrado no início do piloto com os quatro estudantes tentando ocultar o
assassinato que acabaram de cometer.
Uma
das primeiras coisas que chamam atenção na série é o seu ritmo, não apenas
dentro de cada episódio como também no conjunto da temporada. Os episódios
conseguem encontrar um raro equilíbrio entre o "caso da semana" e o
arco maior da temporada. Cada episódio sempre acrescenta uma nova informação
que adiciona mais intrigas a essa trama principal e cada vez que cremos ter
domínio dos fatos, somos constantemente surpreendidos com novas revelações que
tornam tudo incerto novamente, conseguindo nos manter sempre em suspense sem
nunca parecer estar apenas enchendo
linguiça ou retardando o fluxo da trama. Algumas coincidências incomodam um pouco, mas não chegam a estragar a experiência.
Os
"casos da semana" trazem tramas interessantes que debatem ideias de
ética, moral, legalidade, racismo, machismo e outras questões complexas que são
tratadas com o cuidado que merecem, raramente recorrendo a soluções fáceis ou
maniqueístas. A moralidade não é algo preto e branco aqui e culpa ou inocência
são vistas mais como construtos retóricos do que conceitos objetivos e
inquestionáveis. Os roteiros reconhecem que evidências, provas e objetos não
representam por si só a realidade e carecem de alguma fabulação para serem
imbuídas de valor comprobatório, assim, como Annalise costuma dizer, tudo se
resume a quem conta uma história mais convincente.
Não
significa, no entanto, que a advogada é uma mulher cínica e desprovida de
princípios, na verdade ela defende com tanto clientes inocentes tanto quanto
aqueles que são culpados. Na verdade, ela possui um senso de justiça bastante
particular e não permite que ninguém se coloque entre ela e aquilo que crê ser
correto, um exemplo é o episódio na qual ela recorre à pena de morte de um
antigo cliente e não pensa duas vezes em intimar um poderoso político (que pode
ser o verdadeiro culpado) como testemunha e não exibe nenhum pudor ao quebrar o
decoro e tratá-lo de forma hostil. A advogada é uma personagem bastante
complexa e cheia de camadas e, como qualquer ser humano, de contradições. Ela é
durona, mas também capaz de ternura, sob sua aparência confiante esconde
inseguranças e traumas, além de uma relação complicada com a mãe e o marido.
Há
um pouco do velho clichê da mulher poderosa e bem sucedida, mas com uma vida
pessoal caótica, mas a performance impecável de Viola Davis nos faz esquecer
esse lugar comum ao construir com cuidado cada uma das nuances de sua
personalidade, criando uma pessoa verdadeiramente multifacetada e que tem
muitas razões para ser como é. Aliás, um dos momentos mais poderosos da
temporada é quando ela confronta a mãe (Cicely Tyson) sobre seu passado e numa
cena posterior a mãe placidamente lhe conta a verdade brutal sobre o incêndio
na casa delas enquanto penteia os cabelos da filha.
Além
de Davis, os estudantes também tem suas próprias subtramas, que servem para
desenvolver mais suas personalidades e conflitos, nenhum deles chega a ser tão
interessante quanto Annalise, mas ainda assim são suficientemente bem escritos
e interpretados para não nos fazer perder o interesse. Entre esses o destaque
fica por conta de Alfred Enoch (que certamente será reconhecido pelos fãs de Harry Potter), cujo Wes começa como um
jovem ingênuo e bem intencionado, mas vai aprendendo a lidar com o jogo de
intrigas, dissimulações e o ambiente ultra competitivo criado pela professora.
Chama atenção também a atriz Katie Findlay (a Rosie de The Killing) como a dissimulada Rebecca, que aparece mais a frente
na temporada, uma personagem cuja capacidade de manipulação nos deixa
constantemente em estado de dúvida.
O
elo fraco possivelmente é o personagem Asher, que nunca vai além do típico
babaca egocêntrico e endinheirado, muitas vezes funcionando como mero alívio
cômico, mas nunca se desenvolvendo como os outros colegas. Tudo bem que ele até
tem seu momento no episódio em que confronta o pai sobre um ato de corrupção
cometido no passado, mas tirando isso ele tem pouco a fazer, principalmente por
estar tão deslocado da trama principal. Além disso, incomoda um pouco o excesso
de idas e vindas de casais, algo bastante comum nas séries da produtora Shonda
Rhimes (vide Grey's Anatomy), mas que
acaba soando excessivo, em especial o ioiô entre Laurel e Frank (Charlie Weber).
Apesar
disso, How To Get Away With Murder
traz uma primeira temporada instigante e carregada de suspense, com um ritmo
intenso que mantêm a trama sempre caminhando e
nos surpreendendo, além de uma poderosa interpretação de Viola Davis.
Nota:
8/10
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