terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crítica - A Colina Escarlate


Análise A Colina Escarlate

Review Crimson PeakDepois do divertido filme de robôs gigantes Círculo de Fogo (2013), o diretor Guillermo Del Toro retorna ao universo do sobrenatural que já tinha abordado em filmes como A Espinha do Diabo (2001) e O Labirinto do Fauno (2006) com este A Colina Escarlate.

A trama se passa no início do século XX e acompanha a jovem aspirante a escritora Edith (Mia Wasikowska) que desde criança é assombrada pelo fantasma de sua mãe morta que lhe alerta para o perigo da "colina escarlate". Quando seu pai morre sob circunstâncias misteriosas, ela decide se casar com o carismático, mas à beira da falência, nobre britânico Thomas Sharpe (Tom Hiddleston) e se muda com ele para sua propriedade na Inglaterra. Lá ela usará sua herança para tentar ajudar o marido e sua irmã, Lucille (Jessica Chastain), a reconstruírem o negócio da família que consiste em minerar uma resistente argila vermelha das terras da família. No entanto, conforme o tempo passa, eventos estranhos começam a acontecer na decrépita mansão da família e Edith começa a desconfiar que o marido e a irmã provavelmente guardam segredos bastante sombrios.

Como de costume nos filmes do diretor o design de produção ótimo, desde o aterrador visual das aparições que atormentam Edith, passando pelos ambientes macabros e decadentes da mansão Sharpe com suas paredes erodidas e infiltrações de argila vermelha. Aliás, a cor vermelha é praticamente onipresente na narrativa, seja nas roupas dos personagens, como o figurino que Lucille aparece pela primeira vez, seja na argila que em várias ocasiões dá a impressão de que a mansão está sangrando, no aspecto das aparições ou mesmo na iluminação que sempre pende para tons quentes e avermelhados. É como se a cor fosse um presságio ou aviso da mácula de sangue que segue esses personagens, uma espécie de providência divina que os obriga a carregar e mostrar as marcas da violência passada e futura.

Outra cor que chama atenção é o amarelo marcante das roupas que Edith passa a usar depois que vai morar na Inglaterra. Neste tipo de narrativa sobrenatural ou de terror o amarelo é costumeiramente a cor da decadência, da depravação e da loucura. É uma herança do decadentismo francês surgido no final do século XIX e que se perpetuou em muitas escolas da literatura, do livro amarelo que tanto fascina o protagonista de O Retrato de Dorian Gray (uma narrativa que gira em torno da relação do personagem com a decadência) ao enlouquecedor Rei de Amarelo dos contos de Robert Chambers (que serviram de inspiração para a primeira temporada de True Detective), a cor serve de indicação para instabilidade emocional, decadência física e moral, enfim, com coisas muito ruins e o fato de Del Toro insistir em vestir a personagem com essa cor em sua nova moradia é um indicativo de toda a loucura e violência que se impõe sobre ela.

O filme começa quase como uma dessas comédias de costumes de Jane Austen, com diálogos ágeis que criticam as frivolidades da alta sociedade do período, mas conforme as coisas avançam o filme nos vai dando razões para temer e duvidar da conduta dos irmãos Sharpe, ao mesmo tempo que fenômenos estranhos começam ocorrer. O terror não está exatamente em sustos, mas no clima de constante medo e tensão que Del Toro consegue criar e que nos faz temer pelo destino da protagonista a partir do momento em que ela começa a se envolver com os irmãos e as assombrações que aparecem são verdadeiramente assustadores. É interessante perceber que apesar de grotescas, não são as criaturas os verdadeiros "monstros" da história e sim as pessoas. Além de uma trama de terror, também é uma história de romance gótico, tratando o amor como uma força poderosa e dual que tanto pode libertar e edificar uma pessoa, como pode ser um grilhão e fonte de tormento.

Mia Wasikowska concebe Edith como uma garota que não se contenta em apenas fazer o que se espera de uma mulher em sua posição social e vê no articulado baronete Sharpe, que encoraja suas ambições artísticas, um pretendente diferente daqueles que encontra em sua vida diária. Seu encantamento, no entanto, vai aos poucos se transformando em apreensão e desespero conforme ela percebe que os segredos horrendos que ele esconde. Não consigo deixar de mencionar que começo a me preocupar com o alcance de Wasikowska já que ela constantemente interpreta personagens perturbadas e confrontadas com uma realidade cruel, algo que já tinha apontado ao falar de Mapas Para as Estrelas. Talvez seja a hora dela buscar um tipo de personagem diferente para variar um pouco as coisas.

Tom Hiddleston consegue trazer a persona inicialmente carismática do baronete e possível compreender muito bem o motivo dele encantar tanto Edith, sendo também eficiente com suas facetas mais sombrias. Do mesmo modo, Jessica Chastain consegue tornar crível uma personagem que poderia facilmente descambar para uma caricatura, dada a conduta rígida e ameaçadora de Lucille.

A obra, no entanto, tem sua parcela de problemas. Apesar de tentar criar todo um mistério ao redor do passado dos irmãos Sharpe e buscar nos surpreender com algumas reviravoltas, tudo é incomodamente previsível e a natureza da relação entre eles parece óbvia desde o primeiro momento que Edith conhece Lucille e todas as viradas da trama podem ser previstas a quilômetros de distância, o que termina por enfraquecer o clima de suspense e incerteza. Além disso, o fato de Tom desistir de seguir o plano da irmã por causa do seu afeto por Edith acaba não convencendo, já que ele não teve nenhuma objeção em fazer isso antes e jamais compreendemos exatamente o que ela tem de diferente para despertar nele uma reação tão intensa. O filme até parece brincar com a gratuidade do romance na cena em que Edith leva seu livro para um editor e este lhe diz que sua história de fantasma precisa ter um romance. É difícil dizer se esse comentário metalinguístico é um jocoso jab em uma possível interferência do estúdio ou se é uma apologética autorreferência na tentativa de nos convencer da relação entre eles, mas, a despeito disso, o romance entre os dois, em especial o afeto que Thomas clama ter por ela, não funciona como deveria.

Apesar da trama óbvia e de algumas relações que não funcionam, A Colina Escarlate é bem sucedido graças ao ótimo design de produção e da habilidade de Guillermo Del Toro em nos manter envolvidos nessa história macabra.

Nota: 7/10

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