quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Crítica - Operações Especiais



Quando entrei na sala de cinema para conferir este Operações Especiais temi que fosse algo não vergonhoso quanto o terrível Federal (2010). A verdade é que não chega a ser tão ruim, no entanto, tem problemas demais para funcionar bem como deveria.

A trama acompanha Francis (Cleo Pires), uma recepcionista que decide entrar para a polícia civil depois de presenciar um assalto no hotel em que trabalha. A vida de policial, no entanto, não é tão fácil quanto ela imagina, já que é mandada para uma cidade no interior do Rio de Janeiro na busca de traficantes que fugiram da capital depois da ocupação das favelas. Lá terá de lidar com as próprias inseguranças, com o machismo de seus colegas de trabalho e, claro com a criminalidade do local.

O filme acerta nas cenas de ação que são muito bem filmadas e com uma abordagem bastante realista de como a polícia procede durante tiroteios e mesmo em meio ao caos ou em velozes perseguições cheias de cortes e com a câmera em constante movimento nunca perdemos a sensação de espacialidade da cena e sempre temos clareza do que está acontecendo. No início do filme, quando Francis ainda está tensa e insegura de sua posição a câmera está sempre próxima do seu rosto, dando uma sensação de confinamento e de que ela está acuada, nos colocando no estado mental da personagem.

Os méritos da direção, no entanto, acabam sendo minados pelos problemas do roteiro. A primeira coisa a ser notada é a falta de ritmo. O longa tem noventa minutos, mas o conflito principal, a corrupção envolvendo empreendimentos imobiliários em terrenos públicos, só aparece por volta dos 55 minutos de filme, mais da metade da projeção, o que deixa pouco tempo para que este conflito seja bem desenvolvido ou mesmo bem concluído. Até chegar lá a trama se arrasta nesta primeira metade com cena após cena ressaltando a inadequação de Francis para o serviço ou com ela sendo provocada pelos colegas, sendo que lá pela terceira vez que a vemos "travar" em ação ou ouvimos uma ofensa machista, tudo já ficou cansativo e repetitivo, e  ficamos apenas torcendo que as coisas andem logo, já que a narrativa apenas anda em círculos.

Ao final, o filme se apressa tanto em encerrar as coisas que a mensagem final acaba diluída no meio de tudo. A ideia era demonstrar que não é possível resolver tudo, que corrupção acaba vencendo, era um final pessimista e bem interessante, mas mal os personagens chegam a essa conclusão e o filme já pula para uma elipse com os dizeres "um ano depois" e imaginamos que veremos uma nova tentativa de prender os corruptos, mas tudo que a cena a seguir nos mostra é a protagonista chegando a uma nova delegacia no Tocantins em um mal colocado gancho para continuação que não precisava ser inserido, já  queo final "aberto" da cena anterior já deixava claro que a história poderia continuar.

Temos também alguns problemas no roteiro, como o fato do policial e miliciano Toscano (Antonio Tabet, o Kibeloco) tomar a boca de um traficante local e depois prender o dono da boca na delegacia. Não seria melhor matar imediatamente o sujeito e dizer que ele abriu fogo ou simplesmente sumir com o corpo? Afinal, é isso que provavelmente acontece na vida real. A justificativa é que ele foi preso para que pudesse ser "suicidado" pelos outros detentos, mas não faz sentido colocá-lo em uma delegacia na qual qualquer policial honesto pode acabar dando ouvidos às denúncias dele, que é exatamente o que acontece. Toscano, inclusive, é outro problema da obra, já que Tabet nunca consegue torná-lo verdadeiramente ameaçador ou desprezível, na verdade sempre que ele tenta, acaba descambando para o humor involuntário em uma composição caricata e carregada de canastrice.

Falando em humor involuntário, o uso da música ocasionalmente acaba gerando esse efeito. Um exemplo é quando a delegacia fica sem eletricidade e eles decidem desencavar velhas máquinas de escrever no almoxarifado para continuar trabalhando. O que se segue é uma rápida montagem dos policiais tomando depoimentos e digitando nas máquinas ao som de Teto de Vidro de Pitty. Imagino que a ideia era dar dinamismo e movimento à cena, mas ao contrapor uma tarefa tão banal e enfadonha com uma música tão enérgica é algo que beira a paródia, inclusive é a estratégia usada por Edgar Wright em Chumbo Grosso (2007), uma obra que é justamente uma paródia de filmes policiais.

Outra questão é o modo simplista como trata a presença policial nessas comunidades afastadas. A relação entre polícia e comunidade é bastante complexa, como mostrou o documentário Morro dos Prazeres (2014), mas aqui é algo completamente maniqueísta. Se inicialmente a comunidade elogia a presença deles por combaterem o crime, logo todos se viram contra os policiais porque eles não são corruptos e fazem o trabalho bem demais, inclusive se recusando a dar o famoso "jeitinho" em alguns problemas. como se quem se opusesse à ocupação policial nessas comunidades o fizesse única e exclusivamente por compactuar com o crime e sabemos que não é bem assim. Apesar de muitos policiais serem corretos e respeitáveis, sabemos que há uma parcela da corporação que impõe sua presença nessas comunidades de modo violento, brutal e arbitrário, dando sim muitas razões legítimas para que as pessoas protestem contra a corporação. Eu sei que não é um tema fácil e que existem muitas nuances, mas o filme reduz tudo a um radicalismo tolo de "quem não está conosco, está contra nós" e as coisas simplesmente não funcionam assim.

Há também a questão dos personagens que nunca são satisfatoriamente desenvolvidos. Entendemos o motivo para Francis querer entrar para a polícia e certamente compreendemos seu nervosismo em suas primeiras operações de campo, mas isso é tudo que sabemos a seu respeito, de resto ela é uma página em branco. Quem rouba a cena é Marcos Caruso como um típico delegado linha dura e sem papas na língua e seus diálogos são os melhores do filme (embora aqui e ali haja um excesso de exposição e lições de moral pouco orgânicas), muitos deles bem engraçados. É uma figura bastante comum no cinema americano, mas que a performance de Caruso consegue elevar para além de uma mera caricatura, construindo um homem cuja a experiência já lhe fez compreender muito bem como as coisas funcionam lhe tornando bastante cínico, mas sem fazê-lo abrir mão de seus princípios.

Assim sendo, Operações Especiais acaba decepcionando ao desperdiçar as boas cenas de ação com um roteiro raso, ritmo arrastado e personagens que não são plenamente desenvolvidos.

Nota: 4/10

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