Depois
de passar os últimos anos entregando filmes que estavam abaixo daquilo que se
espera dele com o meramente correto Lincoln
(2012) e o fraco Cavalo de Guerra (2011),
o diretor Steven Spielberg volta a entregar um ótimo trabalho com este Ponte dos Espiões e se considerarmos que
Ridley Scott também voltou a encantar com um ótimo trabalho em Perdido em Marte, podemos dizer que este
ano tem sido bastante positivo para os cineastas veteranos.
Baseada
em eventos reais, a trama se passa em 1957, auge da Guerra Fria, e segue James
Donovan (Tom Hanks) um advogado de seguros que é chamado para defender Rudolf
Abel (Mark Rylance) suspeito de espionar para a União Soviética. Mesmo sabendo
que enfrentará reações negativas por atuar na defesa de um espião, James o faz
por crer que todos tem direito a uma defesa justa e a um processo dentro da
lei, no entanto ele vai aos poucos descobrindo que tudo não passa de uma
encenação e que todos estão mais interessados em rapidamente condená-lo à
morte. As coisas se complicam quando o piloto de um avião espião dos EUA é
capturado na Rússia e ambos governos começam a considerar uma troca. Sem poder
se engajar em negociações oficiais (visto que isso implicaria que ambas nações
teriam de admitir que cometeram crimes de espionagem), James é escolhido para
negociar extraoficialmente com os soviéticos.
Tom
Hanks lidera o elenco com sua presença carismática de sempre ao fazer de James
um homem de princípios que compreende que o direito e o seu pleno exercício são
as coisas que afastam nossa sociedade da barbárie e ignorar isso, por mais
breve ou justificável que pareça, é um passo na direção do caos e instabilidade
social. Mark Rylance, no entanto, rouba a cena com seu pragmático espião que se
mostra impassível frente a tudo que pode lhe acontecer e toda vez que James
pergunta se não está nervoso ou assustado, ele apenas responde como um hilário
"isso vai ajudar?". Sem
qualquer contato com o universo da espionagem, James observa todas essas
práticas de informações passadas à meias palavras e reuniões secretas com certo
cinismo, como se tudo aquilo fosso incrivelmente absurdo e sem sentido.
Na
verdade, esse olhar não é apenas do personagem, mas do próprio filme, que
parece trabalhar no sentido de uma "desglamourização" do trabalho da
espionagem, visto aqui com uma espécie de pesadelo burocrático com reuniões
intermináveis com pessoas que não tem nenhuma autoridade para decidir
absolutamente nada e apenas retransmitem informações para outros que as passam
adiante e assim sucessivamente. Basicamente o filme vê a espionagem como uma
irresponsável e absurda brincadeira de telefone sem fio. Esse olhar também se
estende próprio modo de vida nos Estados Unidos do período e os absurdos
gerados pela paranoia anticomunista ao retratar como as crianças eram ensinadas
nas escolas a estocar comida e água em casa, já que os soviéticos poderiam
atacar a qualquer momento, ou a se abaixar e cobrir a cabeça em caso de um bombardeio
nuclear (é sério, isso era mesmo ensinado nas escolas).
Não
chega a ser uma comédia como Queime
Depois de Ler (2008) dos irmãos Coen (que inclusive colaboraram com o
roteiro deste filme), mas tampouco é aquele tradicional suspense de espionagem
que é feito para te deixar tenso o tempo todo na beira da poltrona, funcionando
mais como uma crítica com certa medida de ironia ao que acontece quando nações
abandonam leis e protocolos e passam a operar na surdina. A escolha faz certo
sentido se pensarmos que foi este o incidente que deu início ao já desgastado
chiste da ficção de espionagem da "troca de prisioneiros" e retratar
hoje algo tão clichê e lugar comum sem parecer enfadonho requer certa dose de
cinismo e sarcasmo.
A
direção Spielberg concebe a Berlim dividida como uma cidade arruinada e
cinzenta, na qual predominam as cores frias e poucos saturadas, além de uma
excelente reconstrução de época. Investe também em alguns planos simétricos que
funcionam como uma solução elegante, embora não muito sutil, para retratar as
mudanças dos personagens sem precisar dizer muito, então se inicialmente James
é olhado com hostilidade no trem ao ter sua foto ligada ao espião, ao fim do
filme ele se encontra no mesmo trem, mas recebe olhares de admiração ao ter sua
imagem atrelada à troca de prisioneiros. Do mesmo modo, se ele observa
horrorizado um grupo de adolescentes serem metralhados ao tentarem pular o muro
de Berlim, ao retornar aos Estados Unidos ele observa com alegria um grupo de
garotos brincando enquanto pulam uma cerca.
Spielberg
apenas derrapa no modo como tenta construir uma oposição entre o tratamento
dado aos prisioneiros pelos Estados Unidos, União Soviética e Alemanha
Oriental. Em uma cena que ocorre próxima ao fim, a montagem alterna entre as
prisões e mostra que enquanto o piloto preso pelos soviéticos é torturado e
mantido em uma prisão horrenda, Rudolf é conduzido pelas autoridades dos EUA
com total cortesia, construindo assim os soviéticos como bárbaros brutos em um
maniqueísmo que não condiz com o posicionamento do filme até então.
Principalmente se lembrarmos o modo bruto com o qual James é tratado pelos
vizinhos, conhecidos e transeuntes ao defender Rudolf no início do filme.
De
todo modo, Ponte dos Espiões traz um
olhar interessante sobre o universo da espionagem durante a Guerra Fria, um
ótimo trabalho de Tom Hanks e uma direção acertada por parte de Steven
Spielberg.
Nota:
8/10
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