terça-feira, 20 de outubro de 2015

Crítica - Ponte dos Espiões



Depois de passar os últimos anos entregando filmes que estavam abaixo daquilo que se espera dele com o meramente correto Lincoln (2012) e o fraco Cavalo de Guerra (2011), o diretor Steven Spielberg volta a entregar um ótimo trabalho com este Ponte dos Espiões e se considerarmos que Ridley Scott também voltou a encantar com um ótimo trabalho em Perdido em Marte, podemos dizer que este ano tem sido bastante positivo para os cineastas veteranos.

Baseada em eventos reais, a trama se passa em 1957, auge da Guerra Fria, e segue James Donovan (Tom Hanks) um advogado de seguros que é chamado para defender Rudolf Abel (Mark Rylance) suspeito de espionar para a União Soviética. Mesmo sabendo que enfrentará reações negativas por atuar na defesa de um espião, James o faz por crer que todos tem direito a uma defesa justa e a um processo dentro da lei, no entanto ele vai aos poucos descobrindo que tudo não passa de uma encenação e que todos estão mais interessados em rapidamente condená-lo à morte. As coisas se complicam quando o piloto de um avião espião dos EUA é capturado na Rússia e ambos governos começam a considerar uma troca. Sem poder se engajar em negociações oficiais (visto que isso implicaria que ambas nações teriam de admitir que cometeram crimes de espionagem), James é escolhido para negociar extraoficialmente com os soviéticos.

Tom Hanks lidera o elenco com sua presença carismática de sempre ao fazer de James um homem de princípios que compreende que o direito e o seu pleno exercício são as coisas que afastam nossa sociedade da barbárie e ignorar isso, por mais breve ou justificável que pareça, é um passo na direção do caos e instabilidade social. Mark Rylance, no entanto, rouba a cena com seu pragmático espião que se mostra impassível frente a tudo que pode lhe acontecer e toda vez que James pergunta se não está nervoso ou assustado, ele apenas responde como um hilário "isso vai ajudar?". Sem qualquer contato com o universo da espionagem, James observa todas essas práticas de informações passadas à meias palavras e reuniões secretas com certo cinismo, como se tudo aquilo fosso incrivelmente absurdo e sem sentido.

Na verdade, esse olhar não é apenas do personagem, mas do próprio filme, que parece trabalhar no sentido de uma "desglamourização" do trabalho da espionagem, visto aqui com uma espécie de pesadelo burocrático com reuniões intermináveis com pessoas que não tem nenhuma autoridade para decidir absolutamente nada e apenas retransmitem informações para outros que as passam adiante e assim sucessivamente. Basicamente o filme vê a espionagem como uma irresponsável e absurda brincadeira de telefone sem fio. Esse olhar também se estende próprio modo de vida nos Estados Unidos do período e os absurdos gerados pela paranoia anticomunista ao retratar como as crianças eram ensinadas nas escolas a estocar comida e água em casa, já que os soviéticos poderiam atacar a qualquer momento, ou a se abaixar e cobrir a cabeça em caso de um bombardeio nuclear (é sério, isso era mesmo ensinado nas escolas).

Não chega a ser uma comédia como Queime Depois de Ler (2008) dos irmãos Coen (que inclusive colaboraram com o roteiro deste filme), mas tampouco é aquele tradicional suspense de espionagem que é feito para te deixar tenso o tempo todo na beira da poltrona, funcionando mais como uma crítica com certa medida de ironia ao que acontece quando nações abandonam leis e protocolos e passam a operar na surdina. A escolha faz certo sentido se pensarmos que foi este o incidente que deu início ao já desgastado chiste da ficção de espionagem da "troca de prisioneiros" e retratar hoje algo tão clichê e lugar comum sem parecer enfadonho requer certa dose de cinismo e sarcasmo.

A direção Spielberg concebe a Berlim dividida como uma cidade arruinada e cinzenta, na qual predominam as cores frias e poucos saturadas, além de uma excelente reconstrução de época. Investe também em alguns planos simétricos que funcionam como uma solução elegante, embora não muito sutil, para retratar as mudanças dos personagens sem precisar dizer muito, então se inicialmente James é olhado com hostilidade no trem ao ter sua foto ligada ao espião, ao fim do filme ele se encontra no mesmo trem, mas recebe olhares de admiração ao ter sua imagem atrelada à troca de prisioneiros. Do mesmo modo, se ele observa horrorizado um grupo de adolescentes serem metralhados ao tentarem pular o muro de Berlim, ao retornar aos Estados Unidos ele observa com alegria um grupo de garotos brincando enquanto pulam uma cerca.

Spielberg apenas derrapa no modo como tenta construir uma oposição entre o tratamento dado aos prisioneiros pelos Estados Unidos, União Soviética e Alemanha Oriental. Em uma cena que ocorre próxima ao fim, a montagem alterna entre as prisões e mostra que enquanto o piloto preso pelos soviéticos é torturado e mantido em uma prisão horrenda, Rudolf é conduzido pelas autoridades dos EUA com total cortesia, construindo assim os soviéticos como bárbaros brutos em um maniqueísmo que não condiz com o posicionamento do filme até então. Principalmente se lembrarmos o modo bruto com o qual James é tratado pelos vizinhos, conhecidos e transeuntes ao defender Rudolf no início do filme.

De todo modo, Ponte dos Espiões traz um olhar interessante sobre o universo da espionagem durante a Guerra Fria, um ótimo trabalho de Tom Hanks e uma direção acertada por parte de Steven Spielberg.

Nota: 8/10

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