quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Crítica - Sicario: Terra de Ninguém




Não é de hoje que fronteira entre Estados Unidos e México é retratada como um lugar brutal e quase que sem lei pelo Hollywoodiano, desde a era de ouro dos westerns passando por produções mais recentes como Onde os Fracos Não Tem Vez (2007). A imoralidade das práticas governamentais de combate ao crime também é algo que tem aparecido muito em filmes como A Hora Mais Escura (2013), do mesmo modo que a ética cinzenta dos profissionais que convivem constantemente com isso já tinha sido tratada, por exemplo, em obras como Miami Vice (2006). Este Sicario: Terra de Ninguém continua a trabalhar essas ideias e, embora não traga nada de novo, funciona pela condução de Denis Villenueve.

A trama acompanha a agente do FBI Kate Macy (Emily Blunt) que durante uma operação de resgate de reféns descobre mais de quarenta corpos escondidos na parede de uma casa. Ela é então abordada pelo espião Matt (Josh Brolin) que lhe diz que seus métodos não surtem efeito no crime organizado e que se ela quiser fazer algo definitivo, deve acompanhá-lo ao México, juntamente com o misterioso Alejandro (Benicio del Toro), para levar a luta diretamente aos chefões. Claro que nem tudo está dentro da lei e eles agem de modo tão brutal quanto os criminosos que combatem e isso põe em xeque a visão de mundo de Kate.

O problema é que o roteiro se limita a exibir para nós os desmandos brutais das autoridades dos Estados Unidos e como isso não apenas não resolve como contribuiu para a manutenção de um eterno ciclo de violência. Tudo isso já foi abordado antes à exaustão pelo cinema e este filme não oferece nenhum novo insight ou abordagem em relação a isso e ainda pior, age como se estivesse descobrindo isso pela primeira vez e nos revelando algo que até então não sabíamos, falhando em perceber o quão tradicional é o seu conto sobre uma jovem agente da lei, que descobre os expedientes sórdidos através dos quais o Estado combate o crime. Na verdade, ocorre aqui o mesmo que aconteceu em seu Os Suspeitos (2013) no qual sua direção consegue elevar o filme acima do banal de seu texto, embora paradoxalmente pareça certo de que está sendo altamente inovador.

Se o texto não sai do lugar comum, a condução de Villenueve pelo menos consegue manter o suspense em alta. Na carreata inicial ao México, a câmera vai aos poucos nos mostrando os corpos expostos nas ruas enquanto ouvimos o som de tiros à distância e vamos cada vez mais tendo a certeza de algo irá dar muito errado, uma sensação que atinge níveis insuportáveis quando o comboio fica preso em um engarrafamento logo depois da fronteira. A invasão final também é incrivelmente bem executada, em especial o modo como o diretor trabalha o contraste entre luz e sombra e utiliza as lentes de visão noturna para nos colocar dentro da ação. O clima de tensão é auxiliado pela música, que se mantém discreta, mas sempre grave e desconcertante. Além disso, alguns dos planos concebidos pelo diretor encantam simplesmente pela beleza, a cena em que os agentes caminham na contraluz ao crepúsculo parece uma pintura.

Emily Blunt convoca bem a retidão da personagem, bem como a postura rígida que ela assume para se impor em um ambiente cheio de homens e testosterona. Acerta também em sua transformação conforme as inseguranças que se plantam em sua mente conforme ela se aprofunda nesse submundo de operações clandestinas chanceladas pelo Estado. Um momento particularmente eficiente é quando ela cede às suas carências e solidão e leva um homem para casa, apenas para se dar conta de que ele trabalhava para os cartéis.

Apesar do trabalho de Blunt, não consegui deixar de sentir que a personagem vai perdendo cada vez mais força conforme o filme avança, primeiro porque fica difícil crer na ingenuidade dela em insistir em acompanhar Matt e Alejandro mesmo reprovando completamente suas ações. A segunda coisa é que também é difícil crer que alguém consiga passar por tudo aquilo sem nem perder um pouco de sua humanidade, não dá para mergulhar nas trevas sem trazer um pouco de escuridão de volta em si e, no entanto, a cena final entre ela e Alejandro mostra que ela ainda é a mesma pessoa e fica difícil aderir a um personagem que se mantém o mesmo ao longo de uma narrativa inteira. Por fim também incomoda sua natureza passiva em relação a tudo que acontece ao seu redor, já que ela nunca consegue nenhuma resposta por si mesma e precisa ser constantemente auxiliada pelos colegas e acaba se tornando uma coadjuvante em sua própria história.

Benício del Toro acaba roubando o filme para si com um personagem intenso e misterioso, um homem implacável e ao mesmo tempo terrivelmente traumatizado. Se não fosse o trabalho del Toro a revelação a respeito do personagem no terceiro acabaria decepcionando por ser tão clichê, mas sua composição nos faz aderir ao personagem, mesmo sendo uma jornada altamente familiar.

No fim, Sicario: Terra de Ninguém não é a novidade que pensa ser ao trazer um olhar já conhecido sobre as práticas amorais de combate ao crime organizado, mas eleva-se acima do lugar comum graças ao apuro de Villenueve e ao trabalho de Emily Blunt e Benicio del Toro.

Nota: 6/10

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