sábado, 21 de novembro de 2015

Crítica - Jessica Jones 1ª Temporada




A primeira temporada de Demolidor se saiu muito bem em nos apresentar ao lado mais "urbano" dos super-heróis da Marvel, trazendo uma abordagem mais sombria e violenta ao universo audiovisual concebido pela editora. Este Jessica Jones, segunda série de um projeto conjunto entre a Marvel e o Netflix, continua a construir de modo competente esse ambiente mais maduro dos heróis urbanos. Vou tentar evitar o máximo de spoilers aqui, mas possivelmente irei entregar algumas pequenas informações, então se deseja assistir sabendo o mínimo possível de antemão, melhor retornar aqui depois de ter visto os treze episódios.

A trama desta primeira temporada é baseada na minissérie Alias escrita por Brian Michael Bendis e acompanha Jessica Jones (Krysten Ritter), que se tornou detetive particular depois de uma breve tentativa de usar sua superforça para ser uma super-heroína. Traumatizada depois de ter sua mente controlada pelo misterioso Kilgrave (David Tennant), que a obrigou a fazer coisas terríveis e abusou dela física e mentalmente, Jessica tenta reconstruir sua vida, mas as marcas deixadas pelo vilão não permitem que ela leve uma vida tranquila. A situação se agrava quando ela recebe um caso envolvendo uma estudante desaparecida que a faz pensar que Kilgrave talvez esteja mais perto do que pensa.

Krysten Ritter acerta na personalidade sorumbática de Jessica que exibe um constante ódio de si mesma, não apenas por causa do que Kilgrave lhe fez, mas também por se julgar responsável por um acidente ocorrido em sua infância, levando-a a uma vida de autopunição regada a álcool e subempregos que nunca exploraram seu potencial. A composição da atriz nos faz perceber essas fragilidades que ela tenta esconder sob uma fachada durona, desbocada e furiosa, que serve como um mecanismo de defesa para manter as pessoas afastadas, no entanto, percebemos que há uma certa dose de bondade nela apesar de seu aparente desprezo pelas pessoas. Ao longo dos treze episódios, a série concebe uma heroina bastante complexa, cheia de contradições e emoções conflitantes, que tem lidar com os próprios medos, agindo a despeito deles, e também com peso de seus erros. É exatamente por sermos capazes de perceber a luta constante dela com as escolhas difíceis que constantemente tem de tomar que aderimos tanto a sua jornada.

Ao seu lado ela tem sua irmã de criação, Patricia "Trish" Walker (Rachael Taylor), que os fãs de quadrinhos devem reconhecer como identidade da heroína Hellcat. Aqui ela ainda não desenvolveu sua persona heroica e é uma pessoa tão cheia de traumas quanto a própria Jessica, vivendo em um apartamento cheio de sistemas de segurança e treinando obsessivamente artes marciais. Além de Trish, o caminho de Jessica cruza com o misterioso Luke Cage (Mike Colter, o Bishop da série The Good Wife), que talvez seja a única pessoa que consiga entender a sensação de ser diferente experimentada pela protagonista. Assim como ela, Cage parece querer levar uma vida discreta, tanto que sentimos uma ponta de tristeza em sua fala quando ele diz a ela "você não pode me consertar, eu sou inquebrável", ao mesmo tempo reconhecendo seu poder e admitindo feridas emocionais tão profundas que ele não sabe como resolver. A relação entre eles é bastante difícil devido à quantidade de bagagem emocional de ambos, mas é possível compreender perfeitamente o que veem um no outro, bem como cada uma das idas e vindas entre eles, que jamais soam gratuitas.

O vilão Kilgrave só aparece fisicamente por volta do terceiro episódio, mas mesmo antes de vê-lo ele já é uma presença arrepiante graças aos constantes sussurros que Jessica ouve em sua cabeça como um lembrete constante dos abusos que sofreu. Seu poder de controle mental lhe confere uma imprevisibilidade que aumenta a tensão e a paranoia por não sabermos quem ele pode estar controlando e usando para atormentar os personagens.

O olhar intenso de David Tennant deixa clara a instabilidade mental do sujeito que é fundamentalmente uma criança mimada e imatura, já que graças ao seu poder sempre teve tudo que queria a todo momento e por isso se torna obcecado por Jessica, a única pessoa que não lhe deu tudo que desejava. Ele, no entanto, não é apenas um sádico genérico e a trama nos dá razões para compreender como ele se tornou assim, obviamente não torna aceitáveis suas ações, mas evita que tudo descambe para uma caricatura rasa. Não chega a ter a complexidade do Wilson Fisk de Demolidor, mas ainda assim sua vilania é muito bem construída. Há um vilão menor da Marvel que também aparece ao longo da temporada, mas vou evitar revelar muito e os fãs certamente saberão quem é mesmo que ele não use seu codinome dos quadrinhos.

Já que falei em Demolidor, devo dizer que é um pouco estranho que os personagens a todo momento se refiram à invasão de Nova Iorque no primeiro Os Vingadores (2012), um evento que ocorreu anos atrás, mas em nenhum momento falem da brutal guerra de gangues que explodiu dezenas de prédios e aconteceu na mesma vizinhança apenas alguns meses atrás em Demolidor ou tampouco mencionem o próprio vigilante apesar dele ter tido tanta evidência nos jornais da cidade. Tudo bem que um personagem da série do Homem Sem Medo aparece aqui em dado momento e até o menciona diretamente, no entanto é bem esquisito que todos lembrem de algo catastrófico que ocorreu a anos e esqueçam da catástrofe recente que ocorreu no região que moram, uma vez que o material de divulgação faz questão de apontar que também se passa em Hell's Kitchen.

Assim como em Demolidor, a cidade é mostrada como um lugar sombrio, habitado por vários tipos escusos e com os quais a população comum constantemente enfrenta dificuldades, mostrando como esses heróis "das ruas" ajudam mais diretamente na vida dessas pessoas, embora sejam também mais impactados por seus problemas. Nesse A violência e o sangue também são bastante presentes e a série não economiza nas consequências brutais dos atos sádicos do vilão. Jessica Jones consegue inclusive exibir um ritmo mais consistente do que Demolidor, que ocasionalmente perdia o um pouco do fôlego, trabalhando numa tensão crescente conforme Kilgrave continua a escapar de Jessica. Existem, no entanto, algumas inconsistências no modo como a trama lida com as habilidades dos personagens, em especial Cage, que em um momento sai ileso depois que um prédio explode com ele dentro (e bem próximo da explosão), mas é nocauteado e corre risco de vida depois de ser atingido por um tiro na cabeça a queima roupa.

A trama lida com temas como abuso doméstico (em diferentes níveis e situações), aborto e superação de traumas, tudo tratado com bastante cuidado, evitando recorrer a construções ou argumentos simplórios. Há inclusive um momento bastante intenso no qual uma personagem relata com a pavor o sentimento de saber estar grávida de seu estuprador e pede para encerrar a gestação. O único arco que verdadeiramente não funciona é todo o drama envolvendo o divórcio da advogada Jeryn Hograth (Carrie Anne Moss), que durante vários episódios aparece bastante desconectado da trama principal e quando finalmente vai de encontro a ela, parece que foi muito tempo gasto a troco de pouca coisa, já que a própria personalidade fria e inescrupulosa da personagem seria suficiente para justificar suas ações, sem precisar ter desenvolvido essa trama paralela por tantos episódios.

De todo modo, Jessica Jones é extremamente bem sucedida em nos apresentar a uma protagonista complexa e uma trama madura, repleta de tensão, boas cenas de ação e personagens interessantes. Depois de devorar os treze episódios sem sentir o tempo passar a série nos faz perguntar: "já acabou, Jessica?" Enquanto aguardamos ansiosamente pela próxima empreitada da Marvel e Netflix.

Nota: 8/10

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