A
vida algumas vezes nos pega desprevenidos. Recentemente publiquei minhas
escolhas para piores filmes do ano, pois 2015 estava terminando e eu imaginei
que não veria mais nada até o fim do ano e mesmo que visse, dificilmente seria
alguma bomba capaz de entrar no top
10. Este Até Que a Sorte Nos Separe 3
não apenas quebrou tudo isso, como conseguiu a proeza de roubar do
completamente execrável Para o Que Der e Vier a primeira posição de pior coisa que vi nos cinemas esse ano e isso
não é pouca coisa.
Depois
de ficar rico e perder tudo duas vezes, o atrapalhado Tino (Leandro Hassum) se
vê mais uma vez rico ao ser atropelado por Tom (Bruno Gissoni), filho do
bilionário Rique (Leonardo Franco). Além de pagar as despesas médicas de Tino,
Rique lhe dá um emprego em sua corretora de ações para compensar o ocorrido,
mas logicamente Tino põe tudo a perder e põe a empresa e o país em direção à
falência.
Como
de costume Hassum, assim como Kevin James, parece adepto ao subgênero cômico do
"gordo gritando", que consiste basicamente em berrar todas as linhas
de diálogo enquanto age do modo mais exagerado possível na esperança de que
alguém ria de alguma coisa. Assim como nos filmes protagonizados por James (e
normalmente produzidos por Adam Sandler), o personagem de Hassum é tão
absurdamente estúpido, incoveniente e sem noção que é impossível aderir a ele e
à história, já que qualquer pessoa que agisse do modo como ele age não seria
capaz de viver em nossa sociedade. Seus berros histéricos são tão incessantes e
insuportáveis que com quinze minutos de filme meus ouvidos já estavam cansados
e começava a torcer para que esse brutal ataque aos meus sentidos acabasse
logo. O que não aconteceu, dada a duração de uma hora e quarenta e cinco
minutos (de pura tortura mental) da fita
Mais
do que ser um completo imbecil, Tino é um sujeito totalmente desagradável, agindo
como um completo babaca em relação a sua esposa, filhos e amigos. O pior é
talvez com a filha, a quem tenta proibir de namorar Tom (apesar dela ser maior
de idade e perfeitamente capaz de se decidir por conta própria), simplesmente
por não querer vê-la de pegação com alguém, como se ela não tivesse autonomia
sobre o próprio corpo (e de novo ressalto que ela é maior de idade e o filme
deixa isso claro). O cúmulo disso é o momento em que ele implora à filha para
se manter "pura", apenas para logo em seguida se escandalizar e achar
um absurdo quando ela diz que não é mais virgem, como se em pleno 2015 fosse
uma mácula insuportável que uma mulher jovem e solteira não seja mais virgem.
O
curioso é que apesar de recriminar a própria filha por estar se pegando com um
bonitão, ele não pensa duas vezes em berrar "gostosa!" na cara da mãe de Tom, Malu (Emanuelle Araújo), ao
conhecê-la. Ou seja, o personagem tem dificuldade em aceitar que a filha
vivencie a própria sexualidade, mas não vê problema em objetificar de modo
grosseiro e abusivo outra mulher (e que ele sabe ser casada), tornando-o não
apenas machista, mas também um hipócrita.
A
família de bilionários é claramente inspirada na de Eike Batista, desde o
topete artificial do patriarca, passando pela gargantilha com o nome do marido
usada por Malu, que também foi capa de revista masculina e rainha de bateria.
Isso é uma clara referência ao item similar usado por Luma de Oliveira em um
carnaval lá pelos anos noventa (quando ela era casada com Eike) e ver um filme
hoje tentando fazer piada com algo que ocorreu há quase vinte anos atrás é tão
satisfatório quanto beber um vinho deixado aberto na geladeira ao longo de um
ano. O atropelamento de Tino pelo filho do bilionário também faz alusão a algo
relacionado a Eike, cujo filho atropelou e matou um ciclista, tornando o evento
uma piada de péssimo gosto.
Não
que existam coisas que não se prestem a serem ridicularizadas, mas há uma diferença
entre o que faz este filme e, por exemplo, o que South Park fez recentemente em sua 19ª temporada na qual foi uma
piada recorrente um evento semelhante envolvendo Caitlyn Jenner. A diferença é
que ao invés de fazer graça em cima da(s) vítima(s) fictícia(s) (como acontece
aqui), é a própria Caitlyn que ridicularizada, evitando assim que a graça da
situação resida em lembrar a morte de uma pessoa, mas na exposição da estupidez
e insensibilidade de quem cometeu. Humor é quebra de expectativas, é uma
provocação contra as estruturas típicas, uma tentativa de perturbar o status quo e quando o filme ridiculariza
o pobre, vítima de atropelamento, que já está obviamente ferrado, nada disso
acontece.
Assim
como Batista, o bilionário do filme também nomeia sua empresa com uma sigla que
termina em "X", a KHX, o que gera um sem número de piadas repetidas
usando a sonoridade combinada das letras "K" e "H". Isso me
transportou diretamente para minhas aulas de química da oitava série quando eu
e meus colegas ríamos a cada menção de hidreto de potássio (cujo símbolo era
KH). A diferença era que eu era um adolescente imaturo falando besteira entre
amigos e não um adulto escrevendo piadas para um filme de difusão massiva. Há
uma clara falta de criatividade quando é necessário recorrer a uma piada que
literalmente até mesmo uma criança é capaz de fazer.
De
resto temos aquelas piadas de peido bem preguiçosas, na qual o filme apenas nos
diz que alguém peidou e espera que ríamos disso. Do mesmo modo, espera também
fazer rir com menções a lavagem de cólon ou exame de toque retal.
Aparentemente, para os responsáveis por este filme, a mera ideia de coisas
entrando no ânus de um homem é inerentemente engraçada e, nesse caso, imagino que essas
pessoas devem rir horrores ao assistir um pornô gay.
Há
também a questão de confundir grosseria com comédia ao recorrer ao humor típico
do Adam Sandler estilo "ofensas de playground
de jardim da infância" no qual o protagonista apenas aponta para os outros
e faz "piadas" tipo "você é careca", "você é
chato" e coisas assim. Em determinado momento Bemvindo Siqueira aparece
caracterizado como Nestor Cerveró (aquele do escândalo da Petrobrás) e o filme
se limita a fazer piadas com o olho torto dele. Além de ser uma oportunidade
desperdiçada de fazer algum tipo de sátira política, as piadas não trazem nada
que você já não tenha visto em inúmeros memes
internet afora.
A
presença de uma atriz imitando Dilma Roussef também é um momento de puro desperdício,
já que ao invés de se esforçar em qualquer tipo de crítica política, se
contenta em tentar fazer rir apontando uma conduta supostamente masculinizada
da presidente. Digo isso porque a maneira como conseguem emular o modo de falar
da presidente é possivelmente o único acerto do filme inteiro. Tirando isso, os
personagens chamam atenção para o forte aperto de mão, o andar rígido e o fato
dela ter uma grande mandioca (literalmente, ela tem uma enorme mandioca na mesa)
e é tudo tão absurdo que fiquei esperando o instante em que Hassum gritaria
"sapatão!" na cara dela para completar o insulto. Só para deixar
claro, essa cena não é ofensiva por se tratar da presidente da república, mas
por tentar diminuir e ridicularizar uma pessoa por sua (suposta, nesse caso)
sexualidade.
Se a pessoa se relaciona com alguém do mesmo sexo, do sexo
oposto ou com um vaso de crisântemos é algo irrelevante para determinar sua
capacidade profissional ou mesmo falta dela. Existem inúmeros modos de parodiar
ou satirizar a figura e a conduta da presidente nos tempos recentes e não há
nada intrinsecamente errado nisso, mas apontar e dizer "machona", relacionando crise política e financeira com
isso é preguiçoso e preconceituoso. O mesmo pode ser dito dos estereótipos
exagerados vividos por Ailton Graça e Paulo Silvino.
Igualmente
exageradas e ineficientes são as piadas envolvendo o esquisito boneco de Amauri
(Kiko Mascaranhas). Isso, claro, culmina numa previsível cena em que Tino
alucina que está sendo atacado pelo boneco, mas é tão forçado e tão repetitivo
quanto as cenas de Marlon Wayans com uma boneca do péssimo Inatividade Paranormal 2.
Para
completar o desastre, a narrativa ainda derrapa em simplismo e clichês ao falar da atual
crise financeira do Brasil, recorrendo a um amontoado de frases feitas como
"classe média consumista", "elite especuladora" para
justificar a situação, nunca saindo do senso comum. Ainda por cima resolve tudo
de maneira extremamente simplista com diálogos como "crises
passam". Sério? Crises passam? Não me diga. Não sei como vivi até hoje sem
sabedoria e capacidade analítica tão profundas. Antes que digam se tratar de
uma comédia e não um tratado sobre política e economia, observem como comédias As Loucuras de Dick e Jane (2005) ou Os Outros Caras (2010) tratam a questão
da crise financeira dos Estados Unidos, fazendo rir ao mesmo tempo em que
analisam as realidades do mercado financeiro.
Assim,
com esse misto de humor preguiçoso, piadas velhas, estereótipos anacrônicos e
preconceitos repreensíveis, não há praticamente nada que salve. Patético e
desprezível, Até Que a Sorte Nos Separe 3
é uma síntese de tudo que existe de pior na comédia.
Nota:
1/10
Trailer:
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