sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Crítica - Chatô: O Rei do Brasil



Com uma produção que durou quase vinte anos, diversos processos judiciais por dívidas e uso indevido de verba captada via editais, além de escabrosas histórias de bastidores (muito bem contadas neste ótimo texto da revista Época)  que provavelmente renderiam um filme por si só. Tanta coisa depunha contra o filme que chega a ser surpreendente constatar que, sim, Chatô: O Rei do Brasil é razoavelmente bom, embora certamente teria mais impacto se tivesse sido finalizado e lançado lá pelos anos 90 quando começou a ser produzido.

Depois de tantos anos ouvindo histórias sobre como a megalomania do diretor Guilherme Fontes afundou a produção e a deixou inviabilizada em dívidas, era fácil imaginar que o filme resultaria em uma obra bagunçada, cheia de pretensões e sem direcionamento, mas ao me deparar com o produto final, percebo que o resultado não foi esse. A obra tem um olhar muito bem definido, tem uma voz clara à respeito do que quer dizer e, embora derrape aqui e ali, consegue alcançar o que quer.

A trama, baseada na biografia escrita por Fernando Morais, acompanha a vida de Assis Chateaubriand (Marco Ricca), paraibano que se tornou um grande magnata da comunicação na primeira metade do século XX, presenciando (e moldando) importantes momentos da história. O roteiro e a direção de Fontes, no entanto, não está exatamente interessado no factual, mas no modo como a trajetória de Chatô é uma representação simbólica do Brasil enquanto nação e de como pessoas como ele moldaram nosso país ao que ele é hoje.

Para isso adota um tom claramente farsesco, que chega a lembrar um pouco as antigas chanchadas (com direito a número musical), lançando um olhar cínico e debochado sobre a história do magnata e por vezes reencenando a história ridicularizando figuras e eventos marcantes. A crise que culmina no suicídio de Getúlio Vargas (Paulo Betti), por exemplo, aqui é mostrada como uma vingança arquitetada por uma amante. Outro momento interessante é a posse de Vargas após a revolução, cuja solenidade é sabotada pela incapacidade de hastear a bandeira, simbolizando que desde o início aquele era um projeto político fracassado e ridicularizando toda a pompa do momento.

A ideia de revisar a história do Brasil sob um tom de deboche, mostrando como nosso país foi moldado por um bando de palermas, lembra bastante alguns filmes do período da retomada, em especial Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil (1995). Nesse ponto o filme mostra sua idade e acaba soando datado, já que se relaciona mais com elementos presentes em um período anterior (afinal começou a ser produzido em 1994), do que com o cinema brasileiro de hoje. Isso, porém, não impede que o retrato mordaz construído aqui por Fontes não seja eficiente.

O filme também não deixa de transparecer os problemas e irregularidades vividos durante a produção, a prótese dentária usada por Ricca parece mudar a cada cena. A resolução das imagens também se altera em alguns momentos, nos fazendo imaginar quais são as cenas mais antigas e quais foram filmadas mais recentemente e em alguns momentos os atores parecem estar mais maquiados do que deveriam, como que para disfarçar o envelhecimento deles. Além disso, tem também alguns problemas de ritmo, começando bem acelerando e com uma montagem bem picotada, indo e voltando incessantemente entre diferentes tempos e lugares de maneira quase que aleatória, demorando para encontrar exatamente seus eixos narrativos. Sem mencionar que eu não me lembro de ter visto um filme com tantas menções in memoriam nos créditos finais como esse daqui.

As atuações reforçam o tom de farsa e trazem composições exageradas, mas que em geral fazem sentido com a abordagem quase que satírica do filme, embora nem sempre consigam fazer funcionar os momentos em que o filme tenta levar as coisas um pouco mais a sério. O Chatô vivido por Marco Ricca é um excêntrico apalermado, cheio de delírios de grandeza e sede de poder, mas sem nenhuma ideologia ou visão, fazendo do poder e do dinheiro um fim em si mesmo, algo que constantemente lhe deixa à beira da falência. Apesar de fazer sentido no contexto do filme e render muitos momentos realmente engraçados (a cena que ele invade uma telenovela é impagável), o trabalho do ator ocasionalmente soa exagerado demais, mesmo sob a perspectiva da farsa, e algumas vezes ele mais parecia estar interpretando o personagem João Plenário de A Praça é Nossa com uma fala embolada e ininteligível.

O Vargas interpretado por Paulo Betti é também uma clara caricatura com seu sotaque gaúcho carregadíssimo, diferente da composição mais sutil feita por Toni Ramos em Getúlio (2014), e a relação cheia de favores, trocas e idas e vindas entre ele e Chatô não é muito diferente da relação entre políticos, empresários e meios de comunicação nos dias de hoje e ajuda a entender como as coisas se tornaram assim no Brasil. Quem rouba a cena, no entanto, é a socialite Vivi interpretada por Andrea Beltrão, que traz uma presença poderosa e uma resposta espirituosa sempre na ponta da língua, ele constantemente põe Vargas e Chatô em xeque e é fácil entender o fascínio que ela exerce nos dois.

Chatô: O Rei do Brasil não deixa de demonstrar os problemas que permearam sua produção, mas surpreendentemente consegue ser bastante coeso ao reconstituir em tom farsesco a história de seu magnata da comunicação.

Nota: 7/10

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