quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Crítica - O Clã



Baseado na história real de uma série de crimes que chocou a Argentina na década de oitenta, O Clã acompanha uma família de classe média argentina cujo patriarca, Arquimedes (Guillermo Francella), perde o cargo depois do fim do governo militar. Sem trabalho, inicia um empreendimento criminoso de sequestrar pessoas com posses para pedir resgate e depois elimina os reféns para que não possa ser identificado. Além de algum capangas, o patriarca ainda conta com o auxílio do filho mais velho, Alejandro (Peter Lanzani), que o ajuda a identificar alvos e realizar os sequestros. As vítimas são mantidas no porão da casa da família, cujos membros restantes fingem ignorar o que acontece, mas, claro, as consequências dessa violência vão surgindo com o tempo.

Guillermo Francella surpreende como o patriarca Arquimedes, um homem que acha que está "trabalhando" em prol de sua família, mas é tão egocêntrico que não percebe o mal que lhes está fazendo e o quanto a sua violência os incomoda. Ao mesmo tempo, é intimidador e manipulador o suficiente para manter todos dançando conforme a sua música e sempre dá um jeito de convencer todos a fazerem o que ele quer, mesmo quando não estão inclinados a isso.

Além disso, o personagem parece também crer verdadeiramente que não está fazendo nada de errado, apenas ganhando algum dinheiro enquanto pune aqueles que, nas suas próprias palavras, "venderam o país" e contribuíram para trazer de volta uma democracia que ele pensa ser passageira. Apesar disso, ele exibe um claro prazer sádico com tudo aquilo, algo tornado evidente quando a montagem alterna entre os gritos de dor e pavor de uma vítima recém sequestrada por ele e os gemidos de prazer da transa entre Alejandro e a namorada.

Alejandro, aliás, vai aos poucos se afundando em um complexo de culpa conforme vai se dando conta das atrocidades que o pai ajuda a cometer, mas, por mais que se arrependa, acaba sempre voltando a ajudá-lo, sob a justificativa de "manter a família". Na verdade, a dinâmica entre os dois parece algo similar à relação entre Walter White e Jesse e Breaking Bad, com um sempre humilhando e colocando o outro para baixo, mas ao mesmo tempo nunca o permite se afastar por completo, sempre dando um jeito de se reaproximar e fazê-lo obedecer suas vontades. Tanto é assim que apesar de claramente ser o "alfa" do seu grupo de amigos, ao lado do pai Alejandro se comporta quase como que uma criança receosa. A relação entre os dois é tão tóxica, que a única saída que Alejandro vê para se afastar completamente dele é sua ação tragicômica nos últimos minutos do filme.

O filme ainda é hábil em demonstrar como as relações familiares vão se erodindo com o passar do tempo, com a esposa exibindo um medo contido em relação ao marido e uma das filhas ficando cada vez mais fria com o pai conforme vai se dando conta das atrocidades que ele comete. A narrativa nos torna cúmplices hesitantes de tudo isso ao restringir os pontos de vista da trama apenas às pessoas da família, como se fizéssemos parte do grupo e acompanhássemos suas ações. Os planos fechados contribuem para uma sensação de sufocamento, como se não houvesse espaço para mais nada além daquilo, deixando a sensação de que os membros da família se sentem aprisionados ali.  Assim, conforme os anos passam e a democracia vai se consolidado, vamos sentindo uma tensão cada vez maior, pois vai ficando claro que a mudança de contexto irá cedo ou tarde arruinar a família. Do mesmo modo, os sequestros são conduzidos como eventos igualmente tensos, em especial o primeiro, envolvendo Alejandro e um colega jogador de rúgbi. É interessante também perceber o modo contrastante com o qual o filme usa a música, trazendo sucessos pop do período que o filme se passa para ilustrar muitos dos atos de violência, denotando o quanto aquilo é normal e cotidiano para aquelas pessoas.

O Clã acaba sendo um eficiente suspense, mas também um interessante estudo sobre relações familiares doentias e o quão tóxica é a presença de alguém tão perigoso quanto seu patriarca.

Nota: 8/10

Trailer:

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