Chega
a ser irônico que um filme cujo protagonista passa boa parte do tempo
reclamando sobre mediocridade e a necessidade de correr riscos seja tão
acomodado e evite tanto se aprofundar em quaisquer dos conflitos e subtramas
que tente desenvolver, mas é exatamente o que este Pegando Fogo faz.
O
chef Adam Jones (Bradley Cooper) tinha uma carreira em ascensão e um futuro
promissor, mas tudo desapareceu em uma espiral de vícios e conduta imprópria
que praticamente enterrou sua carreira. Dois anos depois ele tenta retornar ao
cenário gastronômico e conquistar a quase inalcançável terceira estrela do guia
Michelin. Para isso ele conta com o apoio de alguns antigos amigos como o maitre Tony (Daniel Bruhl), o chef
Michel (Omar Sy) e a novata Helene (Sienna Miller).
É
o típico conto de volta por cima, superação e redescoberta do que torna a
gastronomia tão especial, algo que o adorável Chef (2014) já tinha feito muito bem, mas que aqui não funciona
como deveria graças ao excesso de conflitos e subtramas que nunca são
plenamente desenvolvidas. Não é apenas os próprios traumas que Adam precisa
resolver, ele ainda tem que lidar com um chef rival, Reece (Matthew Rhys), com
um grupo de traficantes para quem deve dinheiro, com sua relação mal resolvida
com seu falecido mentor e sua filha, além do crescente sentimento que tem por
Helene, que, por sua vez, parece ter seus próprios problemas domésticos, já que
as exigências de Adam a fazem passar mais tempo do trabalho e longe da filha.
Parece muita coisa para um filme com apenas 110 minutos e realmente é.
O
filme leva tempo demais para estabelecer todos esses conflitos e não tem tempo
para desenvolver plenamente as consequências deles e muitos destes são
desenvolvidos de modo bastante conveniente. Mal Adam apanha dos traficantes a
quem deve dinheiro que logo em seguida uma ex-namorada (Alicia Vikander,
totalmente desperdiçada) aparece para quitar a dívida. Nem bem tivemos tempo
para absorver o aparente fracasso do protagonista frente aos jurados da
Michelin que o filme vem com uma reviravolta estilo "Pegadinha do
Mallandro" ao revelar que todos se enganaram e aqueles não eram os
jurados, o que tira todo peso dramático do fracasso e impede qualquer
repercussão maior sobre a tentativa de suicídio do personagem, afinal ele não
fracassou verdadeiramente, então não tem mais motivos para ficar deprimido.
Do
mesmo modo, também passa por cima da relação entre Helene e a filha, que se
mostra incomodada pela ausência da mãe que trabalha cada vez mais para alcançar
as exigências do novo patrão. Aparentemente tudo é resolvido quando Adam dá um
belo bolo de aniversário para a garota, que desaparece logo depois e o fato de
Helene praticamente viver no restaurante não é mais mencionado, afinal bolos
gostosos aparentemente resolvem qualquer problema de abandono parental. No
entanto, o filme acerta ao evitar maniqueísmos excessivos na rivalidade entre
Adam e Reece, mostrando que apesar das provocações e de tentarem superar um ao
outro, há também respeito e admiração entre eles.
Bradley
Cooper faz o mesmo tipo de canalha com coração de ouro que já interpretou
inúmeras vezes em filmes como o igualmente inchado Sob o Mesmo Céu (2015), Esquadrão
Classe A (2010) e tantos outros. Ele traz intensidade e carisma ao papel, demonstrando como a rotina estressante de uma cozinha pesa sob os ombros de um chef, mas fica difícil abandonar a sensação de que já vimos Cooper fazer este tipo de personagem antes.
Aqui e ali temos um momento realmente interessante, como a cena do bolo com a
filha de Helene, mas em geral falta charme aos diálogos e situações. Alguns
inclusive são bastante equivocados, como aquele em que Adam defende a comida de
uma rede de fast food ao dizer que os
chefs só criticam esse tipo de comida por ser barata e popular. Isso não é
apenas uma publicidade pouco orgânica (a marca da tal franquia aparece algumas
vezes antes dessa cena), mas também desonesta e equivocada, já que existem
críticas legítimas a serem feitas ao fast
food e não imagino nenhum profissional da área de alimentação (chef,
nutricionista, etc) recomendando o consumo constante desse alimento.
Transformar os detratores em elitistas esnobes que criticam o preço e a
facilidade por preferirem cobrar duzentos dólares por prato é simplesmente
estúpido.
Como
se trata de um filme sobre culinária, há um grande foco na preparação dos
pratos e no funcionamento de uma cozinha de alto nível. A comida é sempre
mostrada com cores intensas, em closes,
muitas vezes em câmera lenta conforme os chefs cortam ou espalham molho, de
modo quase erótico, justificando a existência do termo food porn ou "pornô culinário". É realmente difícil não
ficar com água na boca ao ver as refeições e sobremesas feitas aqui, mas é
muito pouco para compensar as deficiências do filme.
Assim
sendo, Pegando Fogo acaba sendo um
pornô culinário insosso, que a despeito dos belos ingredientes tem um gosto de
janta velha requentada.
Nota:
5/10
Trailer
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