sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Crítica - As Aventuras de Pi

Sobreviver a um naufrágio pode ser algo extremamente complicado. O cinema já nos mostrou isso em filmes como Náufrago (2001) ou para as muitas versões já produzidas pela sétima arte para o clássico da literatura Robinson Crusoé. Entretanto, mais complicado do que sobreviver a um naufrágio deve ser sobreviver a um naufrágio sendo um adolescente, em mar aberto e apenas na companhia de um selvagem tigre de bengala em seu bote salva-vidas e é esta a história que nos conta As Aventuras de Pi. O filme começa com um escritor (Rafe Spall) entrevistando Pi (Irfan Khan) sobre uma história fantástica ocorrida em sua juventude enquanto o protagonista narra tudo que lhe aconteceu.
 
O diretor Ang Lee mantém aqui seu uso estilístico de planos mais demorados, de natureza quase que contemplativa, enquanto explora as paisagens das cidades indianas ou do bote do jovem Pi (Shuraj Sharma) em mar aberto. A construção do diretor entrega-se, também, em muitos momentos de pura beleza plástica e lirismo. Em determinado momento Pi narra o quanto seu padrinho Mamaji gostava de nadar e o vemos mergulhar em uma piscina com a câmera posicionada em baixo d´água e virada para cima. Isto nos permite ver o céu além da água, dando a impressão de que Mamaji está voando e não nadando, transmitindo a sensação de liberdade que o personagem tem ao nadar. Ao longo do filme vemos outras composições bastante interessantes e belíssimas como o mar de águas-vivas e alguns outros que não revelarei para não diminuir seu impacto. A fotografia luminosa e com cores fortes contribui para a construção do tom fabulesco da obra.

Há um cuidado em estabelecer os espaços e os personagens que resulta em uma cadência mais lenta na narrativa, algo bastante incomum em filmes direcionados ao público infanto-juvenil e que pode incomodar alguns, mas ao mesmo tempo tudo isto necessário para estabelecer o clima de vazio e marasmo de Pi à deriva em seu bote ao lado do tigre Richard Parker. O tigre, por sinal, é um triunfo da computação gráfica, já que em muitos momentos chegamos a questionar se não se trata de um animal de verdade e acreditamos em todos os seus movimentos e ações, algo extremamente importante já que ele é praticamente o co-protagonista da fita.
 
A produção é tão eficiente que chega a ser uma pena se valer de uma música tão intrusiva que pesa a mão em alguns momentos mais dramáticos tirando a naturalidade das situações e atuações, tirando a atenção para a emotividade da cena. Nas mãos de um diretor menos competente seria uma muleta aceitável, mas em um filme tão sensível e sutil soa como um elemento deslocado do conjunto.
 
O filme encontra ainda espaço para suscitar em seu desfecho a reflexão acerca da importância da ficção em nossas vidas através de uma reviravolta que ressignifica muitos elementos da história e lhes dá ainda mais força. O final me remeteu a uma fala de V em V de Vingança (2006), quando o protagonista afirma que “a arte usa mentiras para dizer a verdade” e ao monólogo final de Bruce Wayne em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) onde ele fala “algumas vezes a verdade não é o bastante, algumas vezes as pessoas precisam ter sua fé recompensada”.

É realmente bom quando um filme como As Aventuras de Pi nos recompensa de um modo tão profundo e temos a sensação de sair modificados da sala de cinema. Afinal, desde que Aristóteles em sua poética teceu considerações sobre a natureza das representações ficcionais, entendemos que estas fundamentalmente almejam a catarse, a purificação das emoções para edificar o sujeito e a catarse oferecida pelo filme tem uma força que não pode ser ignorada.

Nota: 8/10

Nenhum comentário: