quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crítica – Ender’s Game: O Jogo do Exterminador

Há uma dicotomia interessante na guerra e no tratamento com o inimigo. Por um lado é preciso conhecê-lo ao máximo para entender seus movimentos e modos de agir para ser mais efetivo para derrotá-lo. Por outro é necessário manter a maior distância possível, transformando-o numa coisa, num ideal, numa generalização para impedir que seja criada qualquer ligação pessoal e afetiva que suscite hesitação em eliminar o inimigo. É exatamente sobre guerra e alteridade que trata este Ender’s Game: O Jogo do Exterminador.
A trama se passa no futuro quando a Terra é atacada por alienígenas insetoides conhecidos como Formics. Depois de impedir essa primeira invasão, a Frota Internacional se prepara para um possível novo ataque alienígena e treina crianças e adolescentes com capacidade mental acima da média nas complexas estratégias necessárias para entender os planos de ação dos inimigos. O principal desses recrutas é o jovem Ender (Asa Butterfield), um exímio estrategista que é considerado pelo coronel Graff (Harrison Ford) como a principal esperança em eliminar a ameaça alienígena.
Ender é um protagonista fascinante que constantemente luta contra sua própria natureza e o agressivo condicionamento mental e moral imposto por seus superiores da Frota Internacional. Assim sendo, é um jovem que tenta resolver as coisas tentando evitar conflitos ao máximo, mas não hesita em recorrer a uma violência extrema quando acuado e chega quase a matar dois colegas que tentam intimidá-lo. Nada disso, no entanto, funcionaria sem um jovem ator capaz de dar conta de um personagem com tantas facetas e felizmente o garoto Asa Butterfield, que trabalhou com Martin Scorsese em A Invenção de Hugo Cabret(2011), consegue captar todos os conflitos do protagonista e consegue carregar o filme.

Junto a ele temos também um trabalho bem competente de Harrison Ford como um coronel que não mede esforços para transformar Ender em uma arma de guerra, manipulando o garoto sem o menor escrúpulo de modo a convencê-lo que eliminar completamente o inimigo antes que ele ataque é a melhor saída, um pensamento que parece criticar diretamente a política internacional americana e seus “ataques preventivos” a nações que muitas vezes nem possuem o poder bélico que o governo americano alega que possuem. Em contraponto ao coronel Graff temos a major Anderson (Viola Davis), a responsável pelo bem estar mental dos cadetes que constantemente se preocupa com a pressão que Graff exerce sobre Ender e as consequências de transformá-lo em uma implacável máquina de guerra.
Se os momentos em que estes três interagem são os pontos altos do filme, o mesmo não pode ser dito dos demais personagens que recebem um tratamento bastante superficial, dando pouco para que as jovens e competentes Abigail Breslin e Hailee Steinfeld transformem Valentine e Petra em personagens interessantes. Além disso todo o restante do elenco juvenil é sofrível e mesmo o veterano Ben Kingsley nunca consegue transformar seu Maze Rackham em um sujeito digno de nota.
O problema, no entanto, é que o filme nunca consegue criar um atmosfera de tensão ou incerteza quanto aos rumos da guerra, primeiramente porque tudo é resolvido com muita facilidade pelo intelecto de Ender e também porque as sequencias de ação nunca chegam a empolgar ou transmitir qualquer sensação de perigo.
Além disso, o filme praticamente acaba sem nos apresentar um clímax, já que quando pensamos que a narrativa caminha para seu ato final, somos surpreendidos com a revelação de que, na verdade, todo o conflito já se encerrou. Não entrarei em detalhes sobre o conteúdo da revelação, mas ela é ao mesmo tempo coerente e frustrante. Coerente, pois é usada para reverberar várias ideias trabalhadas ao longo do filme, como a transformação da guerra numa espécie de videogame impessoal no qual um soldado elimina centenas de vidas apenas apertando um botão à distancia sem se importar com o peso de atos, bem como o pensamento de que ataques “preventivos” são um ato cruel, covarde e desnecessário. Frustrante, pois além de ser imensamente anticlimático, encerra um conflito planetário de décadas com grande facilidade, sem nunca entregar a batalha épica que se espera em uma narrativa deste tipo.
Outra questão é que o filme deixa muitas lacunas e coisas sem explicação, algo que certamente irá prejudicar um pouco a imersão daqueles que não conhecem o livro homônimo de Orson Scott Card. Muitas coisas, como a escolha de crianças para liderar a frota, nunca são plenamente esclarecidas, sendo que poderiam ser resolvidas com poucas linhas rápidas de diálogo. O mesmo ocorre com o funcionamento jogo usado por Ender que permite à major Anderson avaliar seu estado mental, já que conforme ele transcorre acontecem coisas que os membros da frota não poderiam prever e colocar na programação, soando como algo metafísico e sobrenatural que não condiz com o universo de ficção científica até então apresentado. A mais problemática dessas omissões, no entanto, ocorre na última cena de Ender com um dos Formic, que jamais esclarece porque os alienígenas nunca voltaram a invadir a Terra e não atacaram a frota quando esta se aproximou de seu planeta e assim a decisão final do protagonista soa mais como um mero complexo de culpa dele ao invés de uma tentativa de corrigir um enorme mal entendido entre as duas espécies.
Assim sendo, apesar do elenco competente de lidar bem com temas bastante complexos que raramente aparecem em grandes blockbusters, este Ender’s Game: O Jogo do Exterminador empalidece diante uma série de problemas estruturais e de ritmo que impedem que o filme empolgue e encante como deveria.
Nota: 5/10

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