Giovanni Improtta é um filme baseado em um personagem coadjuvante que servia de alívio cômico em uma telenovela que passou há quase dez anos (Senhora do Destino). Ou seja, é um filme que já nasce datado de um modo que nem é possível acusar a obra de ser oportunista ao criar este caça-níqueis insosso, cujo material de onde deriva o filme serviria para atrair o público e gerar uma grande receita. É provável, inclusive, que parte do público sequer lembre que o personagem já participou de uma novela.
O fiapo de roteiro do filme traz Improtta querendo sair da ilegalidade do jogo do bicho para ser dono de um cassino legalizado. Para isso precisará adular um grupo de outros grandes bicheiros conhecidos como “A Cúpula”, para que o deixem entrar no negócio, bem como outros políticos e empresários interessados na aprovação da lei de regularização de cassinos. Ao mesmo tempo, o bicheiro precisa lidar com investigações que tentam prendê-lo por suas contravenções e com sua esposa e filho.
Pela descrição até parece um roteiro movimentado, mas não é. A sensação que temos é a de um fluxo narrativo truncado, que passa de uma cena para outra como se estivéssemos vendo esquetes soltos ao invés de uma narrativa coesa. A trama caminha em banho-maria, com uma lentidão quase que novelesca(não que haja algo essencialmente errado com o formato da novela, mas sua cadência narrativa é completamente diferente e não se adequa bem ao cinema), fazendo os 100 minutos do filme parecerem bem mais. Não ajuda o fato do filme não seguir nenhuma lógica narrativa estabelecendo os personagens de um modo apenas para agirem de maneira contrária depois.
Isso fica evidentemente claro na subtrama que envolve o filho de Giovanni. O filme passa boa parte do tempo martelando não tem contato quase nenhum com o pai, retraído e triste o garoto passa boa parte do tempo assistindo as discussões do pai e da mãe e em dado momento se tranca no quarto se recusando a sair. Passando algumas cenas adiante (incluindo uma tentativa de suicídio da mãe depois de uma briga com Improtta), o garoto passa a correr para os braços do pai quando ele vai pegá-lo na escola, aparentemente motivado apenas por Giovanni ter sentado ao lado de sua cama enquanto ele dormia. Algo que, creio eu, seria pouco para que a criança superasse anos de trauma e abandono, principalmente depois de testemunhar as brigas que podem ter levado a mãe a uma tentativa de suicídio.
Os personagens sequer são dignos desta denominação, sendo mais preciso nos referir a eles como tipos, semelhantes aqueles que vemos em programas como A Praça é Nossa e Zorra Total e que se interessam apenas em reproduzir o senso comum sobre diferentes figuras do cotidiano social. Assim, temos a dondoca desequilibrada, o pastor hipócrita, o policial corrupto, o empresário prepotente e por aí vai. Nenhum tem realmente nada de interessante ou novo, sendo apenas um bando de caricaturas aborrecidas que desperdiçam o talento do elenco tarimbado que integra o filme, de Andrea Beltrão a Gregório Duvivier.
O próprio Giovanni Improtta surge aqui como uma figura pouco interessante, já que sua principal motivação para ser um empresário legítimo não é sua família ou autopreservação e sim a vontade de aparecer em capas de revista e frequentar clubes chiques, algo fútil e superficial, e se eu não presto atenção nas pseudocelebridades do mundo real, porque deveria me importar com uma da ficção? É claro, os absurdos proferidos do personagem ainda produzem um riso aqui e outro ali, mas mesmo isso é estragado quando o filme insiste em usar efeitos sonoros engraçadinhos para pontuar os momentos de humor. A sensação é que o diretor José Wilker acha que o público é tão estúpido que seria incapaz de perceber sozinho o momento adequado de rir e precisava ser guiado através do som. A música é incrivelmente intrusiva e pesa a mão no modo como tenta conduzir nossas emoções, principalmente quando todo o componente visual faz tão pouco para nos envolver.
Aliás, as tentativas do filme em fazer rir vão do pueril ao extremo mau gosto e não acerta nem fazer uma simples piada de peido. Desde o início do filme o personagem reclama de gases e durante a projeção ele volta ao tópico várias vezes para apenas próximo ao final liberar sua flatulência e é um peidinho tão murcho e tão sem significado que não justifica passar o filme todo preparando essa piada. Algo que nem mesmo Adam Sandler em seus piores momentos faria.
Mas isso não é o pior do comprometimento (ou falta dele) do filme em nos fazer rir. Em outra tentativa grotesca de fazer humor, Improtta, disposto a reabilitar sua imagem e parecer um homem de bem, leva consigo a uma festa da alta sociedade um senhor negro, extremamente magro, com robe de hospital e uma bolsa de soro injetada no braço. O bicheiro quer mostrar como é bonzinho e ajudou o sujeito conseguir um transplante de rim, a situação deveria fazer rir, mas mostrar um homem branco milionário (e criminoso) exibindo um sujeito negro, pobre e doente a outros brancos ricos como se fosse um bicho de estimação ou aberração de circo não é engraçado, é racista. Há outros momentos de teor igualmente questionável, mas me estender nisso seria dar ao filme mais crédito do que merece.
Outro problema é a pretensão à crítica social que sempre esbarra em intervenções levianas e que pouco acrescentam à narrativa. Mostrar a imagem de uma cela superlotada não se qualifica como “abordar um tema”, não há discussão ou reflexão o filme apenas aponta sua câmera aqui e ali e diz “isso é errado”, sendo que até mesmo a mais banal conversa de boteco produziria um pensamento mais elaborado acerca das questões tratadas.
Pior, apesar dessas tentativas de crítica social, o filme nunca questiona a conduta do próprio protagonista, pintado aqui como uma espécie de “corrupto do bem” contra “corruptos do mal”. Improtta é um bicheiro corrupto e corruptor, que compra políticos, autoridades e encomenda assassinatos, mas o filme não parece ver isso como um problema já que os outros seriam piores que ele e Improtta é um homem que se preocupa com a comunidade (como na cena em que pede para o caminhão de lixo vir na rua), financia o carnaval, então seus delitos seriam perdoáveis. É a velha, retrógrada e estúpida falácia do “rouba, mas faz”, usado a torto e direito para defender políticos notoriamente corruptos, e ao ver um filme contemporâneo defender algo tão incrivelmente absurdo me sinto transportado ao início do século, época do apogeu clientelismo e da república do café com leite.
Giovanni Improtta é um filme sofrível e um desserviço ao cinema nacional. Ele subestima seu público e é incapaz de notar sua própria superficialidade. Se não fizer sucesso o governo pode vender o filme para o governo americano usar em Guantanamo como instrumento de tortura. Se fizer, bem, Deus nos ajude, pois teremos uma torrente de filmes estrelados por coadjuvantes de novelas já esquecidas (sendo que um filme do Crô de Fina Estampa já está em produção) e me arrepio com a possibilidade de receber futuramente umrelease para Tonho da Lua: O Filme.
Nota: 1/10
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